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Reconhecido pelo governo federal como Ponto de Leitura no Brasil, passando a fazer parte da Rede Biblioteca Viva.Integra o Programa Nacional do Livro e Leitura (PNLL)conforme publicação no Diário Oficial da União, portaria n° 92 de 18 de dezembro de 2008.Por um País de leitores cidadãos!
Franz Kafka (língua tcheca: František Kafka), nasceu em Praga, no dia 3 de julho de 1883 - Klosterneuburg e faleceu no dia 3 de junho de 1924. Foi um dos maiores escritores de ficção da Língua alemã do século XX. Kafka nasceu numa família de classe média judia em Praga, Áustria-Hungria (agora República Tcheca). O corpo de obras suas escritas— a maioria incompleta e publicadas postumamente— destacam-se entre as mais influentes da Literatura ocidental.
(...)Filho mais velho de Herrmann Kafka, um abastado comerciante judeu, e de sua esposa Julie, nascida Löwy. Nascem depois dele dois meninos, que irão morrer pouco tempo após o nascimento, fato que segundo alguns psicólogos especialistas na obra de Kafka, será um fator determinante para o sentimento de culpa presente em seus livros; e três meninas, entre elas Ottilie, sua irmã favorita, com quem ele chega a morar algumas vezes.
Kafka cresce sob as influências de três culturas: a judaica, a checa e a alemã.
No ano de 1902 conhece Max Brod, seu grande amigo, e no ano de 1922 pedirá a ele para que destrua todas as suas obras após sua morte.
Fonte: Wikipédia
Advogado por imposição do pai ( com quem manteve uma relação conflituosa), não bebia, não fumava, era vegetariano, praticava natação e passava as férias em colônia naturalistas. Também as relações amorosas de Kafka foram conflituosas. Em 1912, ficou noivo de Felice Bauer, e tanto a atormentou com a confissão sincera de suas dúvidas sobre o casamento, que ela rompeu o noivado, reatado em 1916 e rompido definitivamente um ano depois. Em seguida, já com 36 anos,Kafka ficou noivo de Júlia Wohryzek, mas no ano seguinte apaixona-se por Milena Jesenká, que era casada, retribuía-lhe o amor, porém não queria separar-se do marido. Depois, já doente, apaixona-se por Dora Diamant, judia polonesa de 18 anos, com quem decide montar casa em Berlim. (da Redação)
Fonte: Caderno Cultural A TARDE de 4 de junho de 1994.
Vale a pena lembrar que no primeiro quarto do nosso século, Praga era uma cidade de intensa vida cultural e muita agitação política. Kafka costuma frequentar reuniões anarquistas no Klub Mladých ( Clube dos jovens) e chega a elaborar um projeto de organização de uma comunidade de trabalhadores não-proprietários, na qual gostava de viver. (...) Praga, onde se misturava o pesado odor do passado imperial com o sopro dos novos ventos republicanos, era considerada o paraíso dos burocratas. O instituto onde Kafka trablhava era uma dessas empresas hierarquizadas onde a burocracia servia ao absurdo e não aos seres humanos. Mais de trinta mil fábricas da Bôemia encaminhavam os seus empregados acidentados ao instituto, onde estes infelizes eram transformados em números e fichas que percorriam o interminável ritual de passagem de uma sala para outra, pelos longos corredores, subindo e descendo cansativas escadas, para que, no fim, repousassem nos arquivos bolorentos, enquanto os acidentados esperavam, às vezes, vários anos por uma indenização. Além da constante percepção de desumanidade da complexa máquina burocrática, Kafka é marcado de uma maneira inconfudível pela atmosfera misteriosa de uma Praga gótica, sua ruazinhas estreitas e sinuosas, casarões, pátios, praças, igrejas, sinagogas, escritórios sinistros cheios de papéis empoeirados, cais do rio Moldava, jardins barrocos, lendas e tradições.
Para se compreender melhor a obra de Franz Kafka faz-se necessário situar-se no espaço e no tempo. O que foi o século XX vivido por Franz Kafka?
O século XX foi o período de cem anos iniciado em 1 de janeiro de 1901 e terminado em 31 de dezembro de 2000 que se notabilizou pelos inúmeros avanços tecnológicos, conquistas da civilização e reviravoltas em relação ao poder. No entanto, esses anos podem ser descritos como a "época dos grandes massacres", já que nunca se matou tanto como nos conflitos ocorridos no período.
(...) No século XX assistiu-se a uma mudança notável na maneira como um vasto número de pessoas vivia, como resultado de inovações tecnológicas, médicas, sociais, ideológicas e políticas. Termos como ideologia, guerra mundial, genocídio e guerra nuclear entraram em uso comum e tornaram-se uma influência na vida quotidiana das pessoas. A guerra alcançou uma escala sem precedentes e alto nível de sofisticação; somente na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), aproximadamente 57 milhões de pessoas morreram, principalmente devido a melhorias significativas do armamento. As tendências de mecanização de bens, serviços e redes de comunicação global, que haviam sido iniciadas no século XIX, continuaram em crescimento cada vez mais acelerado no século XX. No que diz respeito ao terror e ao caos, o século XX assistiu a muitos atentados à Paz mundial.
(...) A arte moderna desenvolveu novos estilos como o expressionismo, cubismo e realismo.
A disponibilidade e a qualidade da medicina melhoraram de forma espantosa.
Doenças epidêmicas continuaram a se espalhar, aliadas a modernas formas de transporte. Uma pandemia de influenza, a Gripe Espanhola, matou 25 milhões entre 1918 e 1919, enquanto a Aids ainda não tem cura e os tratamentos permanecem muito caros para uso em larga escala nos países em desenvolvimento.
Conheci a obra de Franz Kafka em 1917 e agora confesso que fui indigno da obra de Franz Kafka. Eu o li em uma revista expressionista, profissionalmente moderna, que havia se consagrado a inventar a falta de pontuação; a falta de rimas, a falta de maiúsculas e o abuso de metáforas simuladas e aparatosas palavras compostas próprias dos jovens desse tempo e talvez dos jovens de todos os tempos. Entre esse estalido impresso, figurava um apólogo, contraposto à corrente, que levava a assistência de Franz Kafka e que considerei inexplicavelmente insípido. Recordo que li uma fábula sua, escrita de maneira simples, e me apareceu incompreensível sua publicação. Passei frente à revelação e não a percebi. Também devo confessar que aderia plenamente a este estilo barroco e que buscava imitá-lo. Mais tarde seus livros chegaram às minhas mãos é então me dei conta da minha insensibilidade e do meu erro imperdoável.
A grandeza de Kafka é evidente e seu gênio indiscutível. É o escritor menos controvertido deste século e talvez o primeiro, ainda que em nada, ou quase nada, se pareça a este século. A leitura de outros escritores nos leva a pensar na época em que escreveram. Se tomamos o caso de Shakespeare, temos que pensar continuamente que escreveu para o palco e não para a leitura; temos que pensar na política, na decadência da Espanha, da Armada Invencível. Se tomamos o caso de Dante, não podemos esquecer sua teologia nem seu amor por Virgílio. Se tomamos o caso de Walt Whitman, não podemos prescindir do sonho da democracia que professava. Tampouco podemos ler Hugo sem nos afastarmos da história da França. Kafka é uma exceção a essa regra tão comum na história da literatura. É um escritor a quem podemos ler atemporalmente. Kafka nasceu em Praga, é de origem judia, é boêmio, mas não se sente tchecoslovaco. Vive e sofre as conseqüências da Primeira Guerra Mundial, mas nada disso se reflete em sua obra. Seu trabalho poderia ser definido como uma parábola ou uma série de parábolas, cujo tema central é a relação moral do indivíduo com a divindade e com o universo. Kafka via sua obra como um ato de fé e não buscava através dela desalentar os homens.
Surgiu e morreu como um clássico no que se refere ao formal. Quanto ao conteúdo, recordo que meu amigo, o poeta Carlos Mastronardi, me disse uma vez que no final das contas Kafka não havia feito outra coisa a não ser renovar o paradoxo de Zenão de Eléia: uma flecha não pode chegar a sua meta porque antes tem que passar por um ponto intermediário, antes por outro ponto intermediário, e assim sucessivamente temos um número infinito de pontos onde a flecha em cada momento está imóvel no ar, e somando imobilidades não se chega nunca ao movimento. Curiosamente, descobri depois uma versão chinesa desse mesmo paradoxo. Está no livro de Chuang Tzu e é a história dos reis de Ian. Supõe-se que cada rei, ao morrer, rompe o cetro e entrega a metade restante a seu sucessor; o sucessor faz o mesmo e por isso a dinastia é infinita. No caso de Kafka, podemos pensar que um de seus temas é a infinita postergação. Essa postergação está sentida de um modo patético, e nisso radica a suprema novidade de Kafka, tomar esse tema que antes havia sido um tema das matemáticas e levá-lo a uma expressão da vida.
Um remoto imperador, infinitamente remoto no tempo e no espaço, faz com que infinitas gerações levantem um muro infinito que dê a volta em seu império infinito para deter o curso de exércitos infinitamente distantes. Como Virgílio, que a ponto de morrer encarregou seus amigos de reduzir a cinzas o manuscrito inconcluso da Eneida, Franz Kafka encomendou a Max Brod a destruição dos romances e narrativas que asseguravam sua fama. A afinidade destes ilustres episódios é, se não me engano, ilusória. O delicado Virgílio não podia ignorar que contava com a piedosa desobediência de seus amigos: o obsessivo Kafka, com a de Brod. No mais, o autor que realmente deseja a desaparição de sua obra não encomenda essa tarefa a outro. Sem dúvida Virgílio e Kafka não desejavam profundamente a destruição de seus escritos: só queriam desligar-se da responsabilidade que uma obra sempre nos impõe. Kafka, como Chesterton, teria preferido a redação de páginas felizes, mas sua fidelidade não condescendeu em escrevê-las.
1883-1924. Estas duas datas delimitam a vida de Franz Kafka. Ninguém pode ignorar que ele foi marcado por importantes acontecimentos históricos: a Primeira Guerra mundial, a invasão da Bélgica, as derrotas e as vitórias, o bloqueio dos impérios centrais pela frota britânica, os anos de fome, a revolução russa, que foi portadora de uma generosa esperança e que é hoje o imperialismo, o degelo, o tratado de Brest-Litoskv e o tratado de Versailles que engendrou a Segunda Guerra Mundial.
Ele foi igualmente marcado por uma série de fatos íntimos observados na biografia que Max Brod escreveu: os desentendimentos com o pai, a solidão, os estudos de Direito, as horas no escritório, a profusão de manuscritos, a tuberculose. E também as grandes aventuras barrocas da literatura: o expressionismo alemão, as proezas verbais de Johannes Becher, de William Yeats e de James Joyce.
O destino de Kafka consiste em transformar os acontecimentos e as agonias em fábulas. Narra pesadelos sórdidos em um estilo límpido. E não deixa de ser notável que ele tenha sido leitor das Escrituras e admirador fervoroso de Flaubert, de Goethe e de Swift.
Ele era judeu, mas a palavra judeu, se bem me lembro, não figura em seus escritos – que são intemporais e, desta maneira, eternos.
Kafka é o maior escritor clássico deste tumultuado e estranho século.
Escritor e poeta argentino, Jorge Luis Borges (1899-1986) publicou Ficções, O Aleph, História Universal da Infâmia, Informe de Brodie (contos) e Fervor de Buenos Aires (poesia), dentre outros; texto escrito por ocasião do centenário de nascimento de Franz Kafka. (Folha de São Paulo, 10.12.8)
Um abutre me bicava os pés. Já havia despedaçado os sapatos e as meias e agora bicava-me os pés. Sempre que dava uma bicada, ele voava ao redor, em círculos agitados, e logo recomeçava a tarefa. Um senhor que passava olhou-nos algum tempo e me perguntou porque eu tolerava o abutre.
- Estou indefeso - disse-lhe. Ele veio e entrou a bicar-me, eu quis espantá-lo e até pensei em torcer-lhe o pescoço, mas estes animais são muito fortes e queria saltar-me à cara. Preferi sacrificar os pés, que agora estão quase em pedaços.
- Não se atormente mais - disse o senhor. Um simples tiro e era uma vez um abutre.
- O senhor acha? - perguntei. Quer cuidar do caso?
- Com muito gosto - disse o senhor. Preciso apenas ir em casa pegar o rifle. Pode esperar mais meia-hora?
- Não sei - respondi-lhe, e por um instante fiquei rigido de tanta dor que sentia. Depois acrescentei: - Por favor, queira tentar, pelo menos.
- Certo, disse o senhor. Volto logo.
O abutre havia escutado tranquilamente a nossa conversa enquanto o seu olhar ia do senhor para mim. Percebi então que havia compreendido tudo: voou um pouco longe, retrocedeu em busca do necessário impulso e, como um atleta que arremessa o dardo, mergulhou o bico em minha boca profundamente. Ao tombar de costas, senti como que, uma libertação. Senti que no meu sangue, que enchia todas as profundezas e transbordava de todas as ribas, o abutre se afogava - inapelavelmente.
Texto de Franz Kafka, tradução de Hélio Pólvora- crítico literário e tradutor. Pertence a academia de letras da Bahia.
Na 96° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER oferecemos como dica de leitura o livro: "A Metamorfose" de Franz Kafka, tradução de Modesto Carone. "Uma manhã, ao despertar de sonhos angustiantes, Gregor Samsa, achou-se em sua cama, transformado num gigantesco inseto. Ele é caixeiro-viajante, vive com os pais onde com orgulho mantem a sua família num bom nível de vida. Até que certa manhã ao se deparar transformado em um inseto; perdendo o horário do trabalho e sendo abordado a todo instante na porta do seu quarto tanto pelos familiares quanto pelo patrão que o vai visitar; Gregor Samsa finalmente abre a porta do quarto e feita a terrível descoberta, inicia-se um constrangimento que culminará em sua morte". Vale conferir! A metamorfose" de Franz Kafka. O livro utilizado nesta edição foi uma publicação do Ministério da Educação, governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva e pode ser encontrado na Biblioteca Pública Municipal da cidade de Valença-Bahia.
Modesto Carone é escritor, ensaísta e professor de literatura, tendo lecionado nas universidades de Viena, São Paulo e Campinas. Suas traduções de Kafka, a partir do original alemão, foram iniciadas em 1983. Incluem: Um artista da fome, A construção, A metamorfose, O veredito, Na colônia Penal, Carta ao pai, O processo (prêmio jabuti de tradução em 1989), Um médico rural, Contemplação, O foguista, O castelo e Narrativas do espólio.
Há quatro lendas referentes a Prometeu:
- de acordo com a primeira, ele foi amarrado a um penhasco no Cáucaso por ter revelado aos homens os segredos dos deuses, e os deuses enviaram águias que se alimentavam de seu fígado, perpetuamente renovado;
- de acordo com a segunda, Prometeu, angustiado pela dor que lhe causavam as incessantes bicadas das águias, recostou-se cada vez mais sobre o penhasco, a ponto de tornar-se parte dele;
- de acordo com a terceira, sua inconfidência foi esquecida ao cabo de milhares de anos, assim como também os deuses, as águias, e ele próprio;
- de acordo com a quarta, todos acabaram por se enfadar com histórias tão sem sentido. Os deuses cansaram, as águias cansaram, a ferida se cansou - e cicatrizou normalmente.
Restou, apenas, a massa inexplicável do penhasco. A lenda tentou explicar o inexplicável. Como ele teve origem num elemento de verdade, teria mesmo que acabar no inexplicável.
Mandei tirar meu cavalo do estábulo. O criado não me entendeu. Fui pessoalmente ao estábulo, selei o cavalo e montei-o. Ouvi uma trompa soar à distância, perguntei ao criado o que significava aquilo. Ele não sabia de nada, nem tinha ouvido nada. Deteve-me no portão e perguntou: "Para onde está indo, senhor?" "Não sei", respondi, "só sei que é para fora daqui, fora daqui. Sempre e sem parar fora daqui - só desse modo posso alcançar meu objetivo". "O senhor conhece então o objetivo?", ele perguntou. "Sim, respondi, " eu já falei: fora daqui é o meu objetivo". "O senhor, não está levando nenhuma provisão", disse ele. "Não preciso de provisão. A viagem é tão longa que eu posso morrer de fome se não conseguir nada no caminho. Nenhuma provisão pode me salvar. Por sorte esta é uma viagem verdadeiramente imensa"
"Ah", disse o rato "a cada dia que passa o mundo se torna mais estreito. No começo ele era tão amplo que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz por ver à distância, finalmente, as paredes da direita e da esquerda, mas essas longas paredes, dirigem-se tão rápidas uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para onde eu corro" - "Você só precisa mudar de direção", disse o gato e devorou-o.
Era de manhã bem cedo, as ruas limpas e vazias, eu ia para a estação ferroviária. Quando confrontei um relógio de torre como meu relógio, vi que já era muito tarde do que eu acreditara, o susto desta descoberta fez-me ficar inseguro no caminho, eu ainda não conhecia bem esta cidade, felizmente havia um guarda por perto, corri até ele e perguntei-lhe sem fôlego pelo caminho. Ele sorriu e disse: " De mim você quer saber o caminho?" "Sim", eu disse, "uma vez que eu mesmo não posso encontrá-lo". "Desista, desista", disse e virou-se com um grande ímpeto, como as pessoas que querem estar a sós com o seu riso.
Texto de Franz Kafka, tradução de Modesto Carone. Retirado do Caderno Cultural A TARDE de 4 de junho de 1994.
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
- O que aconteceu comigo? - pensou.
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário de tecidos - Samsa era caixeiro-viajante -, pendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e boá de pele que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.
O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo - ouviam-se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito - deixou-o inteiramente melancólico.
- Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas essa tolices? - pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava habituado a dormir do lado direito e no seu estado atual não conseguia se colocar nessa posição. Qualquer que fosse a força com que se jogava para o lado direito, balançava sempre de volta à postura de costas. Tentou isso umas cem vezes, fechando os olhos para não ter de enxergar as pernas desordenadamente agitadas, e só desistiu quando começou a sentir do lado uma dor ainda nunca experimentada, leve e surda.
- Ah! meu Deus! -pensou, - Que profissão cansativa eu escolhi. Enta dia, sai dia - viajando. A exitação comercial é muito mairo que na própria seda da firma e além disso me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação com a troca de trens, as refeições irregulares e ruins, um convívio humano que muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue tudo isso!
Sentiu uma leve coceira na parte de cima do ventre; delocou-se devagar sobre as costas até mais perto da guarda da cama para poder levantar melhor a cabeça; encontrou o lugar onde estava coçando, ocupado por uma porção de pontinhos brancos que não soube avaliar; quis apalpá-lo com uma perna, mas imediatamente a retirou, pois ao contato acometeram-o calafrios.
Deslizou de volta à antiga posição.
- Acordar cedo assim deixa a pessoa completamente embotada - pensou. - O ser humano precisa ter o seu sono. Outros caixeiros-viajantes vivem como mulheres de harém. Por exemplo, quando volto no meio da tarde ao hotel para transcrever as encomendas obtidas, esse senhores ainda estão sentados para o café da manhã. Tentasse eu fazer isso com o chefe que tenho: voaria no ato para a rua. Aliás, quem sabe não seria muito bom para mim? Senão me contivesse, por causa dos meus pais, teria pedido demissão há muito tempo; teria me postado diante do chefe e dito o que penso do fundo do coração. Ele iria cair da sua banca! Também, é estranho o modo como toma assento nela e fala de cima para baixo com o funcionário - que além do mais precisa se aproximar bastante por causa da surdez do chefe. Bem, ainda não renunciei por completo à esperança: assim que juntar o dinheiro para lhe pagar a dívida dos meus pais - deve demorar ainda de cinco a seis anos - vou fazer isso sem falta. Chegará então a vez da grande ruptura. Por enquanto, porém, tendo de me levantar, pois meu trem parte às cinco.
E olhou para o despertador que fazia tique-taque sobre o armário.
- Pai do céu! - pensou. Eram seis e meia e os ponteiros avançavam calmamente, passava até da meia hora, já se aproximava de um quarto. Será que o despertador não havia tocado? Via-se da cama que ele estava ajustado certo para quatro horas: seguramente o alarme tinha soado. Sim - mas era possível continuar dormindo tranquilo com esse toque de abalar a mobília? Bem, com tranquilidade ele não havia dormido, mas é provável que por causa disso o sono tenha sido mais profundo. E agora, o que deveria fazer? O próximo trem partia às sete horas; para alcançá-lo precisaria se apressar como louco, o mostruário ainda não estava na mala e ele próprio não se sentia de modo algum particularmente disposto e ágil. E mesmo que pegasse o tem não podia evitar uma explosão do chefe; pois o contínuo da firma tinha aguardado junto ao trem das cinco e fazia muito tempo que havia comunicado sua falta. Era uma criatura do chefe; sem espinha dorsal nem discernimento. E se anunciasse que estava doente? Mas isso seria extremamente penoso e suspeito, pois durante os cinco anos de serviço Gregor ainda não tinha ficado doente uma única vez. Certamente o chefe viria com o médico do seguro de saúde, censuraria os pais por causa do filho preguiçoso e cercearia todas as objeções apoiado no médico, para quem só existem pessoas inteiramente sadias mas refratárias ao trabalho. E neste caso estaria tão errado assim? Com efeito, abstraindo-se uma sonolência realmente supérflua depois do longo sono, Gregor sentia-se muito bem e estava até mesmo com uma fome especialmente forte.
Enquanto refletia sobre tudo isso na maior pressa, sem poder se decidir a deixar a cama - o despertador acabava de dar um quarto para as sete -, bateram cautelosamente na porta junto à cabeceira da sua cama.
- Gregor - chamaram; era a mãe.- É um quarto para as sete. Você não queria partir?
Que voz suave! Gregor se assustou quando ouviu sua própria voz responder, era inconfundivelmente a voz antiga mas nela se imiscuía, como se viesse de baixo, um pipilar irreprimível e doloroso, que só no primeiro momento mantinha literal e clareza das palavras, para destruí-las de tal forma quando acabavam de soar que a pessoa não sabia se havia escutado direito. Gregor quisera responder em minúcia e explicar tudo, mas nestas circunstâncias se limitou a dizer:
- Sim, sim, obrigado, mãe, já vou me levantar.
Com certeza por causa da porta de madeira não se podia notar lá fora a alteração na voz de Gregor, pois a mãe se tranquilizou com essa explicação e se afastou arrastando os chinelos. Mas a breve conversa chamou a atenção dos outros membros da família para o fato de que Gregor, contrariando as expectativas, ainda estava em casa - e já o pai batia, fraco mas com o punho, numa porta lateral.
Passa uma mulher por mim. Vem sorrindo pela rua, com os filhos a sua volta, um bando. Acho a cena bonita, mesmo assim me faz lembrar - ô memória! - de uma coisa feia: um crime ocorrido em Viamão, alguns anos atrás.
Um rapaz de 18 anos, depois de rejeitado pela companheira de 36 , matou, por vigança, cinco filhos dela - dois meninos e três meninas- e feriu gravemente a mais velha.
As crianças, com idades entre 2 e 9 anos, foram atacadas a faca, enquanto a mãe trabalhava; isso é, o assassino confesso aproveitou-se da ausência da mãe e da confiança ingênua de suas vítimas para pôr em prática o que tem de menos humano. O alegado motivo - o que de mais humano temos: o amor. Esse rapaz não soube lidar com o amor. Ou talvez eu esteja enganado, talvez ele não tenha sabido lidar com o que, em muitas pessoas, o amor provoca: um sentimento exagerado de posse.
Acho as proibições perigosas, mas penso que não deveria ser permitido a quem ama - na verdade, não deveria ser permitido a ninguém, mas sobretudo a quem ama - ter acesso a tão grave crime. O coração deveria possuir um dispositivo automático que, ao menor sinal de perigo, bombeasse para todas as veias tino suficiente para expulsar, via poros, tal sandice; ou, quem sabe, alguma válvula que fizesse o corpo paralisar-se para que, durante o tempo necessário, a voz interior que todos nós deveríamos ter para este fim recitasse poemas de amor de Drummond e de Vinícius de Moraes ou cantasse as canções de Tom Jobim e de Chico Buarque. Coisasa que não existem!
Agora, fico me perguntando: terá aquela mãe se salvado da vida que lhe foi legada? Como ela faz para sobreviver com decência à perda não de um filho, o que já seria uma tragédia, mas à de cinco, e tão pequenos?
E qual a punição daria conta de tamanha violência cometida pelo ex-companheiro? A vida passada numa cadeia, onde a cada dia só se piora? A morte, que descarta de modo definitivo qualquer chance de redenção além de não trazer de volta nenhuma das crianças? A degradação moral do assassino a ponto de ele mesmo não se reconhecer mais gente e a mãe ter consciência do que sofre o algoz dos seus filhos? Acho que nenhuma, acho que nem todas juntas.
Na 95° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que aconteceu justamente no dia 7 de setembro foi conveniente recordar esta data na história do Brasil.
"Denomina-se Independência do Brasil ao processo que culminou com a emancipação política desse país do reino de Portugal, no início do século XIX. Oficialmente, a data adotada é 7 de setembro de 1822, quando ocorreu o episódio do chamado "Grito do Ipiranga". Segundo a história oficial, às margens do riacho Ipiranga (atual cidade de São Paulo), o Príncipe Regente D. Pedro, bradou perante a sua comitiva: "Independência ou Morte!". Alguns aspectos da versão oficial, no entanto são contestados por alguns historiadores."
Levando suas experiências poéticas às últimas conseqüências, considerou esgotado esse caminho em 1961, e voltou-se para o movimento de cultura popular, integrando-se no CPC da UNE, de que era presidente quando sobreveio o golpe militar de 1964. A partir de 1962, a poesia de Gullar reflete a necessidade moral de lutar contra a injustiça social e a opressão. Ele recomeça sua experiência poética com poemas de cordel e, mais tarde, reelabora a sua linguagem até alcançar a complexidade dos poemas que constituem Dentro da noite veloz, editado em 1975. Em 1964, publica o ensaio Cultura posta em questão e, em 1969, Vanguarda e subdesenvolvimento, em que propõe um novo conceito de vanguarda estética.
Forçado a exilar-se do Brasil em 1971, escreve em 1975, em Buenos Aires, o seu livro de maior repercussão, Poema sujo, publicado em 1976 e considerado por Vinicius de Moraes "o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas": Para Otto Maria Carpeaux, "Poema sujo... é a encarnação da saudade daquele que está infelizmente longe de nós, geograficamente, e tão perto de nós como está perto dele, na imaginação do poeta, o Brasil que lhe inspirou esses versos. Poema sujo mereceria ser chamado "Poema nacional" ; porque encarna todas as experiências, vitórias, derrotas e esperanças da vida do homem brasileiro. É o Brasil mesmo, em versos "sujos" e, portanto, sinceros".
(do livro Muitas Vozes - José Olympio Editora.)
A enquete realizada na 95° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER, entre os dias 31 de agosto a 7 de setembro de 2008, fez o seguinte questionamento:
Oferecemos 4 opções:
Parabéns aos internautas que optaram pelo ano de 1922. A história do rádio no Brasil foi oficialmente inaugurada no dia 7 de setembro de 1922. Completando neste 7 de setembro, 86 anos de história do rádio no Brasil. O primeiro programa foi o discurso do presidente Epitácio Pessoa que foi transmitido para receptores instalados na cidade de Niteroi, Petropolis e São Paulo através de antena instalada no corcovado. Neste mesmo dia, a noite também foi transmitido direto do Teatro Municipal a opera: "O Guarani" de Carlos Gomes. Era o começo da primeira estação de rádio do Brasil: a rádio Sociedade Rio de Janeiro fundada por Roquete Pinto e depois doada ao governo no ano de 1936.
O programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER, cujo objetivo é fomentar o hábito da leitura utilizando o rádio como veículo de inclusão social, agradece a você caro ouvinte-leitor e parceiros culturais por acreditarem na proposta cultural e estarem conosco nestes 2 anos de existência.
Na 94° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER, que foi ao ar no dia 31 de agosto de 2008 (via on line) abordamos os gêneros narrativos: crônica, conto e poesia, privilegiando autores brasileiros. Foram eles: Myriam Fraga, Rosângela Góes Figueiredo, Sílvio Romero, Celeste Martinez e Adroaldo Ribeiro Costa. Oferecemos como dica de leitura, o livro: As viagens "Il Milione" de Marco Polo. A cada leitura intercalamos com a bela música brasileira e seus maravilhosos interpretes: Miúcha e Tom Jobim, Elba Ramalho, Cassia Eller, Alceu Valença e Demônios da Garoa. Como BG, a banda estadunidense, R.E.M. Sem esquecer o cuidado com o planeta terra nas dicas para um planeta sustentável e a importância da água em nossa vida. E para que as informações a respeito do valor nutricional e histórico da laranja ficassem melhor evidenciadas, belas e saborosas laranjas foram levadas aos estúdios da Rádio Clube de Valença e depois degustadas. Obrigada pela audiência e até o próximo domingo com mais palavras para entreter.
ALACAZUM PARA VOCÊ!!!!!!!!!
Apreciamos ainda nas introduções de cada momento do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER, em sua 94° edição, a bela música: "Losing my religion" da banda musical R.E.M.
O R.E.M. é uma banda estadunidense de rock formada em Athens, na Geórgia no ano de 1980. Seu nome faz referência ao estágio de sono REM.
O escritor português Euclides Cavaco convida a uma reflexão sobre quão frágil é a vida. Ouça em poema da semana. Aqui neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Breve_Passagem/index.htm
O comunicador Sérgio Teixeira, do programa radiofônico: Radionovela, direto de Lisboa, Portugal, avisa que retornará neste domingo, dia 7 de setembro das 16 às 17 horas(hora de Brasília) ou das 20 às 21 horas (hora de Portugal) pela Popular FM 90.9 MHz (Lisboa) ou em http://www.popularfm.com/
RADIONOVELA - http://www.radionovela.com.pt/