Na 365° edição do
Alacazum Palavras Para Entreter, apresentado pela escritora e
locutora, Celeste Martinez e que foi ao ar no dia 24 de agosto de
2014, das 8 às 9 h, transmissão ao vivo 87,9 Rio Una FM, cujo tema:
O melhor lugar para se viver, baseado na música: moro onde não
mora ninguém de Agepê e Cánario, apreciamos a crônica: A casa, de Rubem Braga, no livro: Ai de ti, Copacabana.
A casa
Outro dia eu estava
folheando uma revista de arquitetura.
Como são bonitas
essas casas modernas; o risco é ousado e às vezes lindo, as salas
são claras, parecem jardins com teto, o arquiteto faz escultura em
cimento armado e a gente vive dentro da escultura e da paisagem.
Um amigo meu quis
reformar seu apartamento e chamou um arquiteto novo.
O rapaz disse:
“vamos tirar esta parede e também aquela; você ficará com uma
sala ampla e cheia de luz. Esta porta podemos arrancar, para que
porta? E esta outra parede vamos substituir por vidro; a casa ficará
mais clara e mais alegre” E meu amigo tinha um ar feliz.
Eu estava bebendo a
um canto, e fiquei em silencio.
Pensei nas casinhas
que vira na revista e na reforma que meu amigo ia fazer em seu
apartamento. E cheguei a conclusão de que estou velho mesmo.
Porque a casa que eu
não tenho, eu a quero cercada de muros altos, e quero as paredes bem
grossas e quero muitas paredes, e dentro da casa muitas portas com
trincos e trancas; e um quarto bem escuro para esconder meus segredos
e outro para esconder minha solidão.
Pode haver uma
janela alta de onde eu veja o céu e o mar, mas deve haver um canto
bem sossegado em que eu possa ficar sozinho, quieto, pensando minhas
coisas, um canto sossegado onde um dia eu possa morrer.
A mocidade pode
viver nessas alegres barracas de cimento, nós precisamos de sólidas
fortalezas; a casa deve ser antes de tudo o asilo inviolável do
cidadão triste; onde ele possa bradar, sem medo nem vergonha, o nome
da sua amada; Joana, JOANA! - certo de que ninguém ouvirá; casa é
o lugar de andar nu de corpo e alma, e sítio para falar sozinho.
Onde eu, que não
sei desenhar, possa levar dias tentando traçar na parede o perfil da
minha amada, sem que ninguém veja e sorria; onde eu, que não sei
fazer versos, possa improvisar canções em alta voz para o meu amor;
onde eu, que não tenho crenças, possa rezar a divindades ocultas,
que são apenas minhas.
Casa deve ser a
preparação para o segredo maior do túmulo.
Rio, maio, 1957
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