Crônica cotidiana de Celeste Martinez
Sexta-feira, 13 de outubro de 2017, 17:30. Após degustar a deliciosa pizza dos Martinez em companhia da neta Dindi, esta diz:
- Vó, vamos para a praça?
Seguimos pela rua Quintino Bocaiúva, caminho da Praça da República.
Aproveito nesse instante para testar a minha competência enquanto avó.
Em silêncio vou conduzindo-a até a faixa de pedestre e ela reconhece que
somente ao sinal verde é que pode passar. Mantemos as mãos dadas e
basta colocar os pés na praça para que ela, pergunte:
- Onde está os brinquedos?
- Não tem.
- Ó não! Foi a expressão de decepção acompanhada de um bater dos pés e cruzamento dos braços.
A neta tem a facilidade de afugentar dores com novas investidas,
imediato avistou o pequeno espaço destinado aos sketistas e correu
naquela direção, mobilizada principalmente pela presença de crianças.
Ficamos. Imediatamente pus-me a observar e constatar que a Praça da
República é a mais frequentada e todavia não oferece nenhuma alternativa
de diversão gratuita para esse público infantil.
A área reservada
para os sketistas nas horas vagas, congrega crianças na faixa etária
entre 2 a 7 anos de idade que re-adaptam as estruturas de cimento e
ferro em novas investidas de diversão. Uma pequena inclinação
encimentada serve como tobogã. É nessa barra de concreto que as
criançinhas depositam suas energias imaginando-o brinquedo.
A neta,
que vive em outro estado brasileiro, está acostumada a frequentar
praças com instrumentos pedagógicos dos mais diversos.
No caso, da
cidade de Valença, Bahia, não é exatamente uma praça que temos e sim
jardins. A praça da República, antigamente era chamada “Jardim Novo” e a
Praça Ademar Braga Guimarães, de “Jardim Velho” ou seja adotamos a
nomeclatura de praça que não se adequa ao seu desenho arquitetônico.
Será que o remanejamento do nome foi para excluir a função de jardineiro?
Povoa em nosso imaginário uma ideia de praça metamorficas. A Praça da
Independência, não tem árvores, bancos, grama, canteiros, etc , mesmo
assim é considerada praça. A praça 2 de julho, se resume a um diminuto
canteiro que nos meus tempos de menina, caminho à antiga Escola de
Aplicação Anexa, abrigava um frondoso jambeiro. A praça Oliveira Brito,
é um enorme galpão onde abriga barracas dos vendedores da economia
informal.
Enquanto a neta se alegrava com tão pouco, eu, analisava
a paisagem em volta. Praticamente aquele logradouro público era o ponto
principal da cidade em termos de encontros. Alí estava o Teatro
Municipal, abandonado, aguardando que o tempo lhe corrompa o corpo para
em seu lugar ser erguido uma caixa de concreto. O conjunto de sobrados,
pouco a pouco desintegrando-se sem quaquer interesse de seus donos em
reativar sua fachada, sem consideração com o patrimônio arquitetônico da
cidade todavia amparados pela Constituição Federal em seu artigo 5°
Direcionei o olhar em um ângulo de 360 graus em toda praça e avistei a fonte luminosa.
Luminosa?
Onde?
Notava-se sim, alguns tubos, expelindo jatos de água sem algum atrativo.
A neta perguntou se a água estava limpa por que lhe pareceu escuro o
fundo. A praça é mal iluminada e sem cuidado. Somente em determinadas
datas: São João e Natal, enche-na de algum ornamento, muitas vezes sem
critérios de beleza e estética.
Um menino se distanciou dos demais e
foi até onde estava uma estrutura de ferro circular que supostamente
serve como base para o pula-pula, que alí funciona como alternativa de
lazer privado. A única distração. A neta Dindi, seguiu os passos do
garoto, mais imediato foi advertida por mim que podia se ferir com as
pontas de ferro e pregos, observado alternativamente em sua base.
Exatamente naquele local onde fica o pula-pula sentir um mal cheiro
nauseabundo. Uma mescla de vômito, fezes e urina. Eram os banheiros
químicos instalados no espaço reservado a estacionamento para a caravana
da saúde que visita a cidade.
Quanta falta de sensibilidade. Não é
nada elegante para quem chega à cidade e se depara com restaurantes,
sorveterias, padarias, bares, lojas diversas, ser recepcionado por esse
mau cheiro. Eu que tenho a mania de potencializar tudo, só em aborver
esse tipo de fedor, imagino que tudo pode estar contaminado em torno.
Já deveríamos ter um espaço extra, fora do perímetro urbano destinado a eventos e que também pudesse abrigar os circos.
Quando a neta, retornou ao lugar onde as crianças brincavam de parque,
um grupo de skeitistas já estavam ensaiando os primeiros passos. Um sobe
e desce, um cai, levanta, que presenciei uma tragédia anunciada. A
única opção foi ir embora.
Diante da configuração de pensamento que ainda perpetua na cidade e sem alguma chance
de mudança quanto a um projeto, onde seja possível acrescentar
equipamentos recreativos e contemplativos, como playgrounds, bancos mais
harmoniosos nas praças, ainda me resta a força interior e os exercícios
diários que me confere adaptar a lei de Darwin ao dia a dia. Diante
dessa configuração de “não-políticos” que exercem a ladroagem
utilizando-se da res- pública, a exemplo dos tantos casos que foi
divulgado pela imprensa, já não me cabe mais pensar na “esperança”,
essa dita cuja que dizem ser a “última que morre”. Foi por acreditar
demasiado nela- a esperança - nesses últimos 30 anos, que se apropriou
dos nossos pensamentos e corpos a domesticação e docialidade,
deixando-nos sempre a mercê do norte, desses, desses, desses...
Valença, Bahia, 13 de outubro de 2017