Na 206° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 06 de fevereiro de 2011, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 Khz AM, cujo tema: Poemas que viraram música, apreciamos o poema: Noturno de Carlos Drummond de Andrade e logo em seguida escutamos: E agora José? poema do mesmo autor que foi musicado pelo cantor brasileiro Paulo Diniz.
Noturno
Abença papai, abença mamãe.
Deus te abençoe. Não vá se esquecer
de arear os dentes e lavar os pés
antes de deitar.
Sim senhora. E não vá dormir
sem rezar ulm padre-nosso, três aves-marias,
uma salve-rainha.
Rezo. Não vá se esquecer
de apagar a luz antes de dormir
Fogo pegou
no quarto de Juquinha de Sá Maria
porque ele dormiu de vela acessa. Apago.
Dorme bem, meu filho. Não fique pensando
bobagens no escuro. O mais é com Deus.
Mas fico.
Abença papai, abença mamãe.
Já te dei abença. Vai dormir. Não tenho
sono bastante para cochilar,
Espera quietinho que o resto vem.
Vou contar estrela. Não. Conto passarinho
que já tive ou tenho ou terei um dia.
Conto, reconto
vistas de cigarros, minha coleção
é fraca. Nomes de países. 27 só.
Aí, essa geografia.
Nomes de meninas. Todas são Lurdes,
Carmos, Rosários, faço confusão.
Abença papai. Vai dormir, já chega.
Estou sem sono. Pois dorme assim mesmo.
Como que posso, se não posso. Então
cale essa boca. Abença mamãe.
Deus te abençoe, obedece seu pai
Hora de dormir não é de caçoada.
Hora de dormir, todo menino dorme.
Mesmo sem sono? Dorme sem pensar.
Mas estou pensando. Penso mulher nua
Penso na morte. Se eu morrer agora?
Sem ver mulher nua, só imaginando?
Morro, vou pro inferno. Talvez não. Meu anjo
me puxa de lá, leva ao purgatório.
A cama rangendo. Abença papai.
Você não sossega? Pera ai que eu te ensino.
Mas eu não fiz nada. Só pedi abença.
Deus te abençoe, diabo, senão senão tu me paga.
Que noite mais comprida desde que nasci.
Viajando parado. O escuro me leva
sem nunca chegar. Sem pedir abença
como vou saber que não vou sozinho?
Que o mundo está vivo? Abença papai.
Abença mamãe. Mas falta coragem
e peço pra dentro. Dentro não responde.
Carlos Drummond de Andrade
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