sábado, 12 de abril de 2014

Sobre a inconstância ou “era ocasião da Páscoa" -Celeste Martinez






Sobre a inconstância ou “era ocasião da Páscoa" -Celeste Martinez

Que os seres humanos ponderem suas atitudes e mudem de opinião segundo a satisfação pessoal é natural mas que a volúpia constante seja encarada como ponderações sensatas tenho cá minhas dúvidas.

Fico matutando a inconstância das atitudes humanas principalmente quando se trata de atitudes coletivas. E foi aí que me recordei de um fato histórico de mais de dois mil anos. Sim, isto mesmo. Um fato que diz respeito aos seres humanos, aos sentimentos humanos, às atitudes humanas. Neste fato que envolve não um ser humano mas milhares de seres humanos em uma única investida. Faço questão de reproduzir na integra a passagem histórica que retrata esta inconstância dos seres humanos, retirado do livro sagrado: A bíblia.

“Então o Governador perguntou”:

—Qual dos dois vocês querem que eu solte?

— Barrabás! — responderam eles.

Pilatos perguntou:

—Que farei com Jesus, que é chamado de Messias?

—Crucifica! — responderam todos.

Ele perguntou:

—Que crime ele cometeu?

Aí começaram a gritar bem alto:

—Crucifica!

Então Pilatos viu que não conseguia nada e que o povo estava começando a se revoltar. Aí mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão e disse:

—Eu não sou responsável pela morte deste homem. “Isso é com vocês.”

Neste fragmento retirado do livro sagrado, notamos a inconstância do povo e a hipocrisia de Pilatos.

Este mesmo povo que condenou Jesus foi o mesmo que presenciou o milagre dos pães que alimentou mais ou menos cinco mil pessoas. Esta mesma multidão foi aquela que ficou admirada quando viu os mudos falarem, os aleijados e coxos andarem e os cegos enxergarem. Foi esta mesma multidão que viu o milagre do menino epilético e de quantas pessoas se atreveram a apedrejar Maria Madalena e não o fizeram. Foi esta mesma multidão que tinha consciência do milagre realizado por Jesus com Lázaro, a cura dos leprosos e outras infinidades de milagres realizadas pelo Mestre. Mais naquele instante diante de Pilatos esta mesma multidão mudou de opinião e não relutaram em afirmar que Jesus deveria ser crucificado. A multidão estava diante de um palco onde eram exibidas duas pessoas com históricos bem definidos. Barrabás por sua vida desregrada, violenta, sádica, perversa, hedionda. Jesus por sua pacificidade, por seu amor. Ambos estavam diante daquela multidão vestidos com sua história e a multidão enxergava isso. Mas foram capazes de negar os acontecimentos verídicos anteriores que eles participaram, usufruíram e até levantaram bandeiras.

E aí pergunto:

O que faz uma multidão mudar de opinião tão repentinamente?

Na mesma passagem do livro de Mateus diz:

“Os chefes dos sacerdotes e os líderes judeus convenceram a multidão a pedir ao governador Pilatos que soltasse Barrabás e condenasse Jesus à morte”

De que forma estes lideres convenceram o povo?

O aumento dos impostos era o que mais amedrontava a escoria desta época. E foi sem duvida o meio utilizado para coagir a multidão. Sempre a necessidade física como ponto chave para a coação.

Em outra passagem da bíblia, diz:

“ Pilatos sabia muito bem que os líderes judeus haviam entregado Jesus porque tinham inveja dele”.

Nota-se aí a hipocrisia de Pilatos. Ele sabia mais lavou as mãos diante do povo.

E por que os lideres judeus invejavam Jesus?

Simplesmente por que Jesus contestava aquela antiga forma de regime. Jesus contestava os meios sangrentos utilizados para alcançar o espiritual. Os sacrifícios. A rigorosa lei e seus impostos. Jesus não levantou nenhuma espada. Não confabulou revoluções que necessitassem invasões de territórios ou mortes para a tomada de tronos. Jesus simplesmente utilizou a palavra amor para nivelar as relações humanas. Jesus resgatava a humanidade àquela época esquecida. E esta contestação através da palavra e não da espada incomodava os lideres da época.

Michel Foucault (Microfisica do Poder) diz sobre os diferentes micros poderes que agem sutilmente nas relações pessoais e não separadamente. Cada um exercendo um poder sobre o outro. Este fato secular é um exercício para entender as atuais configurações de poder nesta microfisica do poder. Apesar de este fato histórico ter mais de dois mil anos as relações humanas continuam a seguir a mesma ordem. Apesar de que já não nos ameaça mais os impostos. Já convivemos com ele como uma ferida mal cicatrizada. Dói, mais faz parte do nosso corpo que por muitas vezes esquecemos que vive com a gente. Não temos o lugar chamado Gólgota (que quer dizer lugar da caveira”) onde levavam os condenados para a crucificação. Cotidianamente somos crucificados ao abrir a porta para a vida e por fatalidades nos acomete um acidente na calçada, na mesa de cirurgia, no atendimento médico no posto de saúde, no desrespeito, na incompreensão, no preconceito, etc.

Estamos novamente na semana da Páscoa e outro Barrabás será libertado em lugar de Jesus. Alguém lavará as mãos e o povo em uníssono dirá:

—Crucifica!

São as constantes injustiças a que presenciamos diariamente e muitas vezes calamos. Este dito Barrabás caminha no meio do povo e todos reconhecem o depravado mais por medo o saúdam. E só dentro de suas casas (mesmo assim cochichando por que as paredes têm ouvidos) comentam algo contra. Mas só dentro de suas casas.

Enquanto as necessidades físicas prevalecerem mais que a consciência sempre a cada Páscoa um Barrabás será solto, um Jesus será crucificado e não faltará alguém se fingindo o bonzinho lavando as mãos para não arcar com nenhuma responsabilidade. E não precisará dois mil anos para se reconhecer que alguém foi injustiçado por que já se internalizou tanto a hipocrisia, já se internalizou tanto os desejos materiais, as vaidades que qualquer forma de morte será encarada como um jogo de vídeo game ou como um bang bang a italiana.

> Imagem - "Dê-nos Barrabás!", ilustração do volume 9 de The Bible and its Story Taught by One Thousand Picture Lessons, de 1910.

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