Na 357° edição do Alacazum Palavras Para Entreter, apresentação da escritora e locutora Celeste Martinez, que foi ao ar no dia 29 de junho de 2014 das 8 às 9 h apreciamos o relato de Daniel Cheruna cujo tema armazém.
O
Armazém do Barrio de Daniel Cheruna
O
Armazém do Barrio, estava na esquina de minha casa ( Espanha e Risso
) . Pertencia a Henrique e Pepe Camarasa; o primeiro, muito formal,
porém simpático; o segundo mais robusto, não tão politicamente
correto e um pouco mais jovem. Viviam os dois solteiros na casa de
sua mãe já anciã. A casa que está em pé e sempre foi velha,
conserva ainda todos os atributos de quando foi construida.
Desabitada, resiste em abrigar seus queridos fantasmas, enfrentando
com valentia o transcursso do tempo.
O
enorme local que faz parte de uma construção maior, que inclui o
que foi a vivenda com seu enorme patio, estava destinado a duas
funções bem diferenciadas. Sobre a esquina propriamente dita, o
armazém; e com entrada sobre a rua Espanha, o depósito de bebidas
onde geralmente havia bicicletas encostadas sobre a parede, esperando
a saida de seus donos para levá-los de volta ao lar. As vezes
ziguezagueando mais que o prudente, embora as ruas de então não
oferecessem demasiado risco. Mais perigosas eram as situações que
costumavam apresentar-se na varanda quando alguma discurssão
começava dentro do boliche e devia continuar ao ar livre por decisão
de Pepe que tinha bem definido os limites da tolerância que não
podia transgredir-se para permitir a permanencia dos concorrentes.
Por algum motivo ele tinha este setor do negocio sobre sua
responsabilidade. Sabia que se tinha que fazer-se cargo da situação
aplicando sua autoridade e força bruta, não duvidaria um segundo em
tomar cartas no assunto. As regras eram claras; lá fora estava o
espaço público, porém ali dentro teriam que respeitar o lugar; do
contrario não se permitia pisar novamente. Mas nem todos os clientes
eram encrenqueiros, muitos tinham o “porre alegre” e as reuniões
tornavam-se verdadeiros entretenimentos. Se palpitava um clima
festivo e de camaradagem como em um clube de amigos, onde se falava
de tudo e se ria muito; As vezes a alegria se tornava tão
transbordante que era necessário moderar a situação para não
atrapalhar os clientes que do outro lado faziam suas compras diárias
em outro setor do armazem, atendido por Henrique que mantinha com
elegância um lápis na orelha direita, ferramenta fundamental de sua
atividade. Fazia as contas com numeros grandes e claros sobre uma
folha de papel cinza que logo cortaba com a mão e fazia a função
de fatura ou ticket. O mesmo papel que usava para enrolar a herva e
todos os produtos soltos que eram comuns naquela epoca, como o acuçar
moido ou em cubos ( que era a preferida de minha família porque
diziam que adocava mais ); produtos que envolvia com uma habilidade
incrivel, com bordas tipo as empanada que asegurava perfeitamente
sua borda.
Depois
da compra nunca faltava “la yapa” ( o caramelo ou alguma outra
cortesia da casa ) e o comentário do dia era imprescindivel antes ou
depois. Os dotes de comunicador social, fazia dele um experto em
varias questões mais principalmente àquelas relacionadas ao tempo.
A maioria fazia suas compras em cadernetas ( a negra com capa
plástica e folhas com linhas e duas colunas para as anotações).
Minha alegria consistia a cada tempo em comprar um alfajor e uma
bolita Bilz ( limonada efervercente que conservava seu nome de quando
tinha uma bolinha no gargalho para conservar seu lacre hermético)
Outra
função social muito importante que cumpria o negocio dos Camarasa
era seu telefone de caixão preso na parede da oficina ou deposito de
mercadorias onde entravamos, desprendia o auricular, girava varias
vezes a manivela fixada a direita do aparelho e dizia a operadora que
nos atendia com que numero queriamos comunicar.
Existia
outro na padaria em frente porem este era mais popular. Igualmente
não era muito a demanda já que muito poucos tinha linha telefonica
em suas casas para poder chamar-se; mas em muitos casos nos tirava de
apuros e eles jamais se mostravam aborrecidos por ter que
emprestar-los; inclusive deixando de atender alguém para guiar-nos
até o lugar exato. Para o qual era necessario levantar uma tabua de
madeira do mostrador e atravessar o setor do bar saudando atentamente
a quem ali estivesse. Tenho em minha mente os altos tetos, o reboco
de barro e os pisos de tijolo vermelho. As vitrines de madeira dura e
escura como os enormes mostradores e as estantes que cobriam
praticamente toda a parede, exibindo tanto comestivel como
caldeirões, baldes e bacias. Praticamente um armazém de ramo
geral. Do mesmo modo que conservo a recordação dos cheiros, mistura
de especieis com umidade que fazia único e reconhecivel o ambiente
mesmo com os olhos fechados. Os irmãos eram muito queridos. E eles
sabiam; por isso tinham aparentemente uma vida feliz. Sabiam que
estavam cumprindo uma importante missão para o seu bairro. Hoje,
podem descansar em paz, seguros de que, quem compartilhou essa etapa;
os recordaremos sempre e lhes estaremos infinitamente agradecidos por
tudo que nos deram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário