domingo, 22 de maio de 2011

O filho do vento de José Eduardo Agualusa


Celeste Martinez- locutora do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER lendo o conto: O filho do vento de José Eduardo Agualusa


Na 220° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 22 de maio de 2011, transmissão pela Rio Una Fm 87,9 apreciamos o belíssimo conto tradicional dos Koi-san ou bosquímanos de José Eduardo Agualusa.


Naquela época também os chacais eram humanos, e os leões, os elefantes, as gazelas, todos os animais que hoje habitam o deserto.
Há muitos, muitos anos, até o Filho do Vento era um ser humano. Foi só mais tarde que se transformou em pássaro.
No tempo em que era ainda um menino, o Filho do Vento gostava de jogar bola, uma bola feita a partir de um fruto que há na nossa terra, com os outros rapazes da aldeia.
Os meninos não sabiam o seu nome verdadeiro. Chamavam-no, simplesmente, o Filho do Vento. Um dos meninos, Nakati, achava aquilo muito estranho.
-Como se chama realmente o Filho do Vento? perguntou à mãe. A mãe assustou-se:
- Ninguém pode pronunciar em voz alta o verdadeiro nome dele.
Nakati, porém, insistiu. Era um garoto muito curioso. Insistiu e insistiu e voltou a insistir, e tanto insistiu e persistiu na insistência que um dia a mãe perdeu a paciência.
- Está bem, concordou. Digo-te como ele se chama mas só podes chamá-lo com esse nome depois que o teu pai terminar de reforçar as paredes da nossa cabana. E disse-lhe ao ouvido, num sopro tímido:
- KUAN -KUAN GAU- GAUBU-TI
Nakati era não só muito insistente, mas também muito impaciente. Nessa mesma tarde, enquanto jogavam com a bola feita de um fruto que apenas existe nesta nossa terra, Nakati não se conteve e chamou em altos gritos o Filho do Vento:
-
- KUAN -KUAN GAU- GAUBU-TI
Aconteceu então uma coisa extraordinária: Kuan-Kuan Gau-Gaubu-ti começou a inclinar-se lentamente para diante, até cair de bruços sobre o capim seco, enquanto, aos seus pés, se erguia um redemoinho de poeira.
O redemoinho cresceu, engrossou, um vento áspero e raso começou a soprar, não dando tempo às pessoas apra se protegerem. Instantes depois não havia uma única cabana de pé sobre a imensa planície. Por isso quando venta dessa maneira nós dizemos que o vento está tombado. Quando o vento está de pé não sopra assim.
Aquele pássaro que vocês podem ver por vezes no céu, flutuando lá muito em cima, de corpo inteiramente preto e bico branco, esse pássaro é Kuan- Kuan, o Filho do Vento. Depois que caiu, depois que fez nascer a ventania, nunca mais foi o mesmo. Achava que os homens o odiavam por ter desatado o vento. Cresceu um tanto estranho, arredio. A mãe estava sempre a dizer-lhe:
-Tu não te podes culpar meu filho, por tudo de ruim que o vento faz. Não podes ter medo das pessoas. Sempre que alguém te ameaça nascem-te penas na pele e tu foges a voar.
UM DIA VOOU, VOOU, E NÃO VOLTOU MAIS.


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