Na 325º edição do Alacazum palavras para entreter que foi ao
ar no dia 3 de novembro de 2013, das 8 às 9 h da manhã de domingo, transmissão
ao vivo 87,9 Rio Una FM falamos da Festa Literária
Internacional de Cachoeira – Flica 2013 – e apreciamos um trecho da história: O velho da praça de Antonieta Dias de Moraes, ilustração Ciça Fittipaldi.
Ele só
queria água!
Fazia calor.
João estacou diante da primeira casa de caboclo que encontrou no caminho.
Apeou, atou as rédeas do cavalo no tronco de uma árvore que havia em frente e
começou a bater palmas. Ninguém atendia. Nos fundos, apareceu uma mulher com um
pano amarrado na cabeça e um balde na mão. Ela ia de um lado a outro e nem
olhava para João. Ele gritou, chamou e nada! A mulher nem se virava. Ele abriu
a porteira, entrou, pegou no braço dela e pediu água para o cavalo, por favor.
A mulher
olhou para ele muito espantada e chamou o marido; disse que estava ali um moço
para comprar galinhas. João explicou que não queria comprar nada, só queria
água para o cavalo. A mulher correu para os fundos da casa; a seguir João ouviu
a voz do marido: - Aqui não se vende leite, seu moço! Pode tocar pra frente...
A mulher
voltou correndo: - Meu marido falou pro senhor esperar.
- Dona, eu
só quero água pro meu cavalo! Água! ÁGUA!... Não quero leite nem galinha; quero
água. Á – GUA!...
O homem
apareceu, espiou e veio andando meio derreado.
- Anda,
marido, vem cá! O moço está com pressa!
Ele se
aproximou: - Aqui não se vende leite, não, moço! O senhor está enganado!
- Eu só
quero água pro meu cavalo!
- Ah! O
senhor quer café? Mulher, vá buscar café pro moço... – e empurrou a mulher. –
Vá, mulher...
Ela foi lá
para os fundos e voltou com uma galinha: co-có-có, de cabeça para baixo, presa
pelas pernas. A essa altura João já queria ir embora, mas resolveu fazer a
última tentativa. Apontou para o cavalo.
- Ele está
com sede; água, por favor. Que custa me dar um pouco de água?
- O quê?
Trocar o meu cavalo pelo seu? Tá louco! Nem pense! O seu é bom, mas o meu é
melhor! Se é!
A mulher
empurrava a galinha nas mãos de João, para ele ver como estava gorda. João
disse não, não e não. Fez gestos negativos. Ela entendeu e soltou a galinha,
que saiu em disparada, cacarejando, de asas abertas.
- Diz pra
ele, marido, que não pode pousar aqui não! Não tem cama!
João pensou
que estivesse ficando maluco. Sapateou e berrou: - Não quero nada! Só quero
água! ÁGUA! ... Que gente surda! – tirou o revólver e ameaçou dar um tiro para
o ar.
O homem recuou e estendeu os
braços: - Calma! Calma, seu moço! O senhor tem um cavalo, pra que quer o
meu? Será que o senhor é ladrão de
cavalos? Se é, espere ai.
Não é que o homem saiu correndo e logo voltou com uma espingarda
apontada para João?
Não adiantava falar, o homem e a mulher eram surdos de pedra. João
guardou o revólver, e apertou a mão do homem: - O senhor é o primeiro que não
tem medo de mim. Fique sossegado, não quero seu cavalo – bateu no peito – Não
sou ladrão, sou João Valente! – e foi saindo.
- Bom, bom... No meu cavalo ninguém toca!
João montou em Relâmpago e acenou para ambos, num gesto de despedida.
Ouviu-se falar, cada qual para si mesmo, já que não ouvia o outro.
- Que é que está pensando? Que é só chegar e levar o cavalo da gente?
Vê lá!
- Tanta discussão por causa da compra de uma galinha! Nem que fosse a
tal que bota ovos de ouro!... Olhe, marido, todo mundo anda maluco! – Nisso,
ela se lembrou de alguma coisa e saiu correndo atrás de João. – Moço! Moço!
Será que o senhor não quer água para dar a seu cavalo? Esqueci de oferecer, e
com esse calor!...
João, que já estava montado e ia saindo, apeou e voltou puxando
Relâmpago pelas rédeas. A mulher já trazia um balde cheio de água. O cavalo
bebeu até não poder mais. João também bebeu água. Agradeceu.
O marido afastara-se resmungando: - e ainda por cima gritava como se eu
fosse surdo!
Antonieta Dias de Moraes Ilustração de Ciça Fittipaldi