domingo, 24 de agosto de 2014

A casa, de Rubem Braga

Na 365° edição do Alacazum Palavras Para Entreter, apresentado pela escritora e locutora, Celeste Martinez e que foi ao ar no dia 24 de agosto de 2014, das 8 às 9 h, transmissão ao vivo 87,9 Rio Una FM, cujo tema: O melhor lugar para se viver, baseado na música: moro onde não mora ninguém de Agepê e Cánario, apreciamos a crônica: A casa, de Rubem Braga, no livro: Ai de ti, Copacabana.

A casa

Outro dia eu estava folheando uma revista de arquitetura.

Como são bonitas essas casas modernas; o risco é ousado e às vezes lindo, as salas são claras, parecem jardins com teto, o arquiteto faz escultura em cimento armado e a gente vive dentro da escultura e da paisagem.

Um amigo meu quis reformar seu apartamento e chamou um arquiteto novo.

O rapaz disse: “vamos tirar esta parede e também aquela; você ficará com uma sala ampla e cheia de luz. Esta porta podemos arrancar, para que porta? E esta outra parede vamos substituir por vidro; a casa ficará mais clara e mais alegre” E meu amigo tinha um ar feliz.

Eu estava bebendo a um canto, e fiquei em silencio.

Pensei nas casinhas que vira na revista e na reforma que meu amigo ia fazer em seu apartamento. E cheguei a conclusão de que estou velho mesmo.

Porque a casa que eu não tenho, eu a quero cercada de muros altos, e quero as paredes bem grossas e quero muitas paredes, e dentro da casa muitas portas com trincos e trancas; e um quarto bem escuro para esconder meus segredos e outro para esconder minha solidão.

Pode haver uma janela alta de onde eu veja o céu e o mar, mas deve haver um canto bem sossegado em que eu possa ficar sozinho, quieto, pensando minhas coisas, um canto sossegado onde um dia eu possa morrer.

A mocidade pode viver nessas alegres barracas de cimento, nós precisamos de sólidas fortalezas; a casa deve ser antes de tudo o asilo inviolável do cidadão triste; onde ele possa bradar, sem medo nem vergonha, o nome da sua amada; Joana, JOANA! - certo de que ninguém ouvirá; casa é o lugar de andar nu de corpo e alma, e sítio para falar sozinho.

Onde eu, que não sei desenhar, possa levar dias tentando traçar na parede o perfil da minha amada, sem que ninguém veja e sorria; onde eu, que não sei fazer versos, possa improvisar canções em alta voz para o meu amor; onde eu, que não tenho crenças, possa rezar a divindades ocultas, que são apenas minhas.

Casa deve ser a preparação para o segredo maior do túmulo.

Rio, maio, 1957

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