Era o ano de 1864. Precisamente 31 de julho de 1864. Em uma destas sedes de fazendas assobradadas, construídas em alvenaria de pedra, com planta tendente ao quadrado, recobertas por telhados de quatro águas, sem varanda... Destacando na parte térrea quatro janelas e uma porta central e no primeiro andar cinco janelas de guilhotina...
Justamente neste ambiente polidamente arrumado, destacava-se no centro de um dos quartos (o quarto de casal) uma enorme cama, cuja cabeceira exibia volutas, rocalhas, flores e palmas, entalhadas em jacarandá. Em meio a volumosos lençóis de algodão branco, uma mulher, entre gemidos tímidos, suores transbordantes e expressões dolorosas, esforçava-se no sublime trabalho de parto. Outras pessoas acompanhavam de perto a agonia da mulher. Uma delas mantinha-se perto da cabeceira com uma toalha. As outras duas, permaneciam sentadas, cada uma de um lado da cama, segurando firmemente sua mão entre breves ladainhas. O médico animava a paciente com palavras incentivadoras, enquanto exercia sua função prática no resgate da criatura.
Além das fronteiras geográficas, no continente europeu, a três meses atrás neste mesmo ano, nascia o sociólogo e economista alemão Max Weber. Se manhã ou tarde, dia ou noite, não consta nos arquivos. Sabe-se apenas que chovia torrencialmente acompanhado de trovões e relâmpagos. Cercada por esses fenômenos físicos e os temores religiosos fundamentos de sua educação, a mulher rompeu um grito e este seguiu na mesma freqüência abrupta que o grito da criança e também do último trovão daquela ocasião. E para que conste nos registros, neste mesmo ano em Costa Rica, Irazu, o vulcão, eclode larvas incandescentes.
Esta cena tão comum do cotidiano, passaria despercebido se não fosse por um único detalhe: a criatura em questão era Fábio Lopes dos Santos Luz. Ilustre personagem da história de Valença- Bahia. Esta introdução poderia ser a verdade do nascimento de Fábio Luz cujos registros atuais são escassos, desprovidos de detalhes sobre sua família, porém convém aguçar a imaginação, resgatando a memória deste que lutou por uma sociedade mais justa e igualitária.
Àquela época, a povoação do Amparo, à margem do Rio Una, já havia sido elevada a Vila com o nome de Valença, em homenagem ao Marques de Valença, D. Afonso. E também por esta época, Valença participava ativamente do novo modelo de trabalho que começava a se configurar no mundo após a revolução industrial. Possuia uma fábrica de tecidos, que produzia diariamente 600 varas de pano. Era a maior fábrica de tecidos do império contando inclusive no ano de 1860 com a visita do imperador D. Pedro II. Caracterizava-se pelo emprego de mão de obra remunerada com grande participação feminina. Evidente que os salários eram baixos, entretanto a fábrica complementava através de serviços assistenciais, como moradia, alimentação, educação, etc. Vale destacar que até esta época (1864), o Brasil, continuava a manter cativos a grande população africana.
Nosso protagonista, Fábio Luz, não permanece por muito tempo na cidade de Valença, Bahia. Entre 1883 e 1888 estudou medicina na cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Neste período engaja-se nos ideais abolicionistas e republicanos. Mais foi somente na cidade do Rio de Janeiro que conhece as bases do Anarquismo Libertário. Como médico, trabalhou por muito tempo atendendo a população mais carente do Rio de Janeiro no período em que as epidemias assolavam a Capital Federal. Como educador promoveu a Universidade Popular destinada a formação cientifica e política dos operários. Fundou dois jornais: A Luta Social e Revolução Social. Escreveu para outros: A Plebe, A vida, Voz da União, Spartacus, etc., e entre suas produções literárias encontramos romances e novelas de temática social e orientação anárquica.
Se muitos dos habitantes da cidade de Valença, Bahia, neste dia 31 de julho de 2008 não reconhecem ou não recordam da data de nascimento do Fábio Luz é por que uma página da história da cidade de Valença, ficou esquecida. Neste dia 31 de julho, muitas coisas continuam adormecidas em muitos calabouços da memória. As ruas já não falam, os prédios não mais suspiram, as pessoas já não contam suas histórias, muitas delas adormecem nos retângulos frios dos cemitérios. Hoje, 31 de julho, a escravidão continua a existir, vestida sutilmente de liberdade, iludindo-nos a todos com suas facilidades de crédito em seis, doze, vinte e quatro vezes... O certo é que em algum lugar alguém recordará Fábio Luz e sua memória será mantida e seus ideais reflexionados.
O esquecimento é um frio ambulante, habituado aos desapegos, aos adeus. Segue sempre com o vento...Hoje será diferente!A memória, vestiu-se mais cedo, sentou-se no banco de madeira e resolveu contar sua história.
6 comentários:
Me encanto... a pesar de que me costo leer en portugues... Felicitaciones, sos una mujer sorprendente. Desde aqui te enviamos todo nuestro afecto. Carla
Cara Profa. Celeste Martinez
Obrigado por repercutir meu artigo sobre Fábio Luz. O tratamento dado pela senhora, mais lírico e temperado, trouxe uma outra luz para o perfil deste escritor, nosso colega valenciano que, infelizmente, passa esquecido na memória da cidade. Um abraço afetuoso e sincero deste vosso amigo (preso em Salvador por causa do estágio final em Letras)
Ricardo Vidal
Dra. Carla Echazareta, muchas gracias por las palabras de afecto y por la visitación en nuestro blog.
José Ricardo da Hora Vidal: mais uma vez tua valorosa presença em nosso espaço cultural, fortalece-nos. Obrigada pelas gentis palavras. Bom que façamos sempre reflexões a respeito de personagens que fizeram a história de nosso país e Fábio Luz é um destes. Abração, Celeste Martinez
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