Na
366° edição do Alacazum Palavras Para Entreter, apresentado pela
escritora e locutora Celeste Martinez e que foi ao ar no dia 31 de
agosto de 2014 das 8 às 9 h, transmissão ao vivo Rio Una FM 87,9
apreciamos, novamente, outra crônica da Clarice Lispector, intitulada: Um homem feliz, retirado do livro: A descoberta do mundo.
Um homem feliz
Um dia desses tomei um táxi e acendi um cigarro. Ao primeiro sinal de parada de luz vermelha, o chofer me disse:
- A senhora quer ter a gentileza de me emprestar seus fósforos?
Estendi-lhe a caixa, e quando a devolveu, antes que ele disesse alguma coisa, falei distraidamente por hábito:
- De nada.
E ele:
- Eu ainda não tinha agradecido. Por que é que a senhora disse " de nada " ?
- Ah, não tem importância.
- Me desculpe, mas tem importância. A senhora devia ter esperado que eu dissesse " muito obrigado " e depois é que a senhora ia responder " de nada ".
- Não importa, disse eu um pouco surpreendida.
Mas importava sim. Seu tom, ao ter falado, era o de um homem que defende leis que foram violadas. Era como se ele tivesse caído em terreno perigoso. Olhei-o melhor: e vi quanto aquele homem era pouco livre e como ele precisava sentir-se preso, e aos outros também. Tentei então uma doçura que o suavizasse, e, mais pela entonação da voz que por meio das palavras, eu lhe disse:
- De verdade, moço, não tem mesmo importância...
Mas ele insistiu duro:
- De outra vez a senhora espere que lhe agradeçam.
Nada mais havia a fazer, além do que eu também estava um pouco irritada. Até o fim da corrida não dissemos mais nada. E se há um silêncio mudo era aquele.
Clarice Lispecto, em A descoberta do mundo
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