Na
366° edição do Alacazum Palavras Para Entreter, apresentado pela
escritora e locutora Celeste Martinez e que foi ao ar no dia 31 de
agosto de 2014 das 8 às 9 h, transmissão ao vivo Rio Una FM 87,9
apreciamos a crônica: Enigma, de Clarice Lispector, no livro: A descoberta do mundo.
Enigma
Ela
estava vestida de uniforme listrado de empregada, mas falava como
dona-de-casa. Viu-me subir as escadas cheia de embrulhos e parando
para sentar nos degraus – os dois elevadores estavam enguiçados.
Ela morava no quinto andar, eu no sétimo. Subiu comigo segurando
alguns de meus embrulhos numa das mãos, e na outra o leite que
comprara. Quando chegou ao quinto andar, botou o leite em casa dela
entrando pela porta de serviço, depois fez questão de segurar meus
embrulhos e de subir comigo até o sétimo.
Que
mistério era esse: falava como dona-de-casa, seu rosto era o de
dona-de-casa, e no entanto estava uniformizada. Sabia do incêndio
que eu sofrera, imaginava a dor que eu sentira, e disse: mais vale a
pena sentir dor do que não sentir nada.
-
Tem pessoas – acrescentou – que nunca ficam nem deprimidas, e não
sabem o que perdem.
Explicou-me,
logo a mim, que a depressão ensina muito.
E –
juro- acrescentou o seguinte: “ A vida tem que ter um aguilhão,
senão a pessoa não vive”. E ela usou a palavra aguilhão, de que
eu gosto.
Clarice
Lispector, em A descoberta do mundo
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