Na 369° edição do
Alacazum Palavras Para Entreter, apresentação da escritora e
locutora Celeste Martinez, que foi ao ar no dia 21 de setembro de
2014, das 8 às 9 h de domingo, transmissão ao vivo 87,9 Rio Una FM,
apreciamos a leitura do texto: Declaração de Amor, de Clarice
Lispector, no livro: A descoberta do mundo.
Declaração de Amor
Esta é uma
confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não
é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo
pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir
às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temeriamente ousam
transformá-la numa lunguagem de sentimento e de alerteza. E de amor.
A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a
primeira capa de superficialismo.
Ás vezes ela reage
diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o
imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava
de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes
lentalmente, às vezes a galope.
Eu queria que a
língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este
desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não
bastaram para nos dar para sempre uma herança de línguas já feita.
Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento
alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades,
nós a temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua
que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e
também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu
queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como
não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para
mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria
não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do
português fosse virgem e límpida.
Clarice Lispector
Nenhum comentário:
Postar um comentário