Na 194° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 24 de outubro de 2010, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 KHZ AM, apreciamos a crônica: Ah, os amigos de Raquel de Queiroz.
Sim, amigo é coisa muito séria. Acho que a gente pode viver sem emprego, sem dinheiro, sem saúde e até sem amor, mas sem amigos, nunca. Pois o amigo é capaz inclusive de suprir discretamente essas faltas e lhe conseguir trabalho, lhe emprestar dinheiro, lhe tratar na doença. Só não pode se envolver em assuntos de amor, porque aí deixa de ser amigo; e a maior tolice a que se arrisca a incorrer alguém é misturar amigo com amor.
Amizade e amor são qualidades paralelas na vida de cada um; se conhecem, até se estimam, mas nunca se encontram ou se confundem. Aliás, não estou dizendo novidade nenhuma, todo mundo sabe que o namoro, noivado, casamento, amores são relações essencialmente antípodas da amizade. Quer pela sua impermanência, ou, quando são permanentes, pela sua natureza tumultuária, absorvente, egoísta, as relações de amor têm que ter categoria á parte. Transforme em amante o seu amigo ou amiga, e você perde o amigo e terá um péssimo amante, que sabe todos os seus defeitos, lhe conhece do tempo em que você não se enfeitava para ele, não lhe escondia as suas falhas do corpo e da alma, e que, portanto, sabe de todos os seus pontos fracos. Fica impossível.
A primeira lei da boa amizade creio que é ter poucos amigos. Muitos camaradas, colegas, conhecidos cordiais, mas amigos, poucos. E, tendo poucos, poder e saber trata-los. Jamais criar tempo de rivalidade entre os amigos: cada um há de ter sua área específica, sua zona própria de influência. Não vê que cada amigo, por ser o único no seu território, não precisa sequer conhecer os donos dos outros territórios. É que, sendo a nossa alma tão variada nas suas exigências, precisamos de amigos de acordo com os diferentes ângulos do coração. O amigo da comunicação intelectual não pode ser o mesmo amigo da confidência íntima; o velho companheiro da infância não tem nada a ver com o precioso camarada adquirido nos anos de maturidade.
E há outras razões práticas para não misturar os amigos: eles podem se coligar contra a gente, ou se tornar amigos entre si, por conta própria, nos excluindo. Ou também podem se chatear uns com os outros, porque os companheiros espirituais deles nem sempre correspondem aos nossos. Se você adora fulano porque toca em suas cordas nostálgicas, contando-lhe lembranças de mocidade passadas na barranca de um rio em Mato Grosso, o seu amigo intelectual talvez não tolere regionalismo e por isso desdenhe intensamente as barrancas de Mato Grosso. Assim com o futebol, os debates sobre religião, as intrigas políticas, os negócios, o gosto de recordar os sambas de Noel Rosa. Insisto, mantenha com rigor cada amigo no seu compartimento.
Axioma absoluto em assuntos de amizade: amigo é insubstituível. O que um lhe deu jamais outro lhe poderá dar igual. Pode ser um amigo novo para preencher a área vazia deixada pelo amigo que se foi por morte ou briga. Mas só ocupará mesmo aquele espaço físico. E há vezes em quem isso é possível. E o melhor será fechar aquele nicho do coração, dada a dificuldade de encontrar outro ser vivo que satisfaça ante nós as especificações do ausente. Ai de mim, bem o sei. Minha amiga de infância que morreu deixou no meu peito esse santuário vazio.
Respeite seus amigos. Isso é essencial. Não procure influir neles, governa-los ou corrigi-los. Aceito-os como são. O lindo da amizade é a gente saber que é querida a despeito de todos os nossos defeitos. E nisso está outra superioridade da amizade sobre o amor: a amizade conhece as nossas falhas e as tolera e, até mesmo, as encara com condescendência e afeto. Já o amor é só de extremos e, ou se entrincheira na intolerância, ou se anula na cegueira total. Amigo entende, agüenta, perdoa. “Amigo é pra essas coisas”, como diz aquela cantiga tão bonita.
Se você não é capaz de ter amigos, você é um erro da natureza, você é como o unicórnio, o animal de que se fala mas não existe. Porque até os bichos têm amigos; e dizem que, depois da morte, no outro mundo, as almas mantêm sublimadas as amizades cá de baixo, naquela quintessência de excelências que só o céu pode dar.
Amizade e amor são qualidades paralelas na vida de cada um; se conhecem, até se estimam, mas nunca se encontram ou se confundem. Aliás, não estou dizendo novidade nenhuma, todo mundo sabe que o namoro, noivado, casamento, amores são relações essencialmente antípodas da amizade. Quer pela sua impermanência, ou, quando são permanentes, pela sua natureza tumultuária, absorvente, egoísta, as relações de amor têm que ter categoria á parte. Transforme em amante o seu amigo ou amiga, e você perde o amigo e terá um péssimo amante, que sabe todos os seus defeitos, lhe conhece do tempo em que você não se enfeitava para ele, não lhe escondia as suas falhas do corpo e da alma, e que, portanto, sabe de todos os seus pontos fracos. Fica impossível.
A primeira lei da boa amizade creio que é ter poucos amigos. Muitos camaradas, colegas, conhecidos cordiais, mas amigos, poucos. E, tendo poucos, poder e saber trata-los. Jamais criar tempo de rivalidade entre os amigos: cada um há de ter sua área específica, sua zona própria de influência. Não vê que cada amigo, por ser o único no seu território, não precisa sequer conhecer os donos dos outros territórios. É que, sendo a nossa alma tão variada nas suas exigências, precisamos de amigos de acordo com os diferentes ângulos do coração. O amigo da comunicação intelectual não pode ser o mesmo amigo da confidência íntima; o velho companheiro da infância não tem nada a ver com o precioso camarada adquirido nos anos de maturidade.
E há outras razões práticas para não misturar os amigos: eles podem se coligar contra a gente, ou se tornar amigos entre si, por conta própria, nos excluindo. Ou também podem se chatear uns com os outros, porque os companheiros espirituais deles nem sempre correspondem aos nossos. Se você adora fulano porque toca em suas cordas nostálgicas, contando-lhe lembranças de mocidade passadas na barranca de um rio em Mato Grosso, o seu amigo intelectual talvez não tolere regionalismo e por isso desdenhe intensamente as barrancas de Mato Grosso. Assim com o futebol, os debates sobre religião, as intrigas políticas, os negócios, o gosto de recordar os sambas de Noel Rosa. Insisto, mantenha com rigor cada amigo no seu compartimento.
Axioma absoluto em assuntos de amizade: amigo é insubstituível. O que um lhe deu jamais outro lhe poderá dar igual. Pode ser um amigo novo para preencher a área vazia deixada pelo amigo que se foi por morte ou briga. Mas só ocupará mesmo aquele espaço físico. E há vezes em quem isso é possível. E o melhor será fechar aquele nicho do coração, dada a dificuldade de encontrar outro ser vivo que satisfaça ante nós as especificações do ausente. Ai de mim, bem o sei. Minha amiga de infância que morreu deixou no meu peito esse santuário vazio.
Respeite seus amigos. Isso é essencial. Não procure influir neles, governa-los ou corrigi-los. Aceito-os como são. O lindo da amizade é a gente saber que é querida a despeito de todos os nossos defeitos. E nisso está outra superioridade da amizade sobre o amor: a amizade conhece as nossas falhas e as tolera e, até mesmo, as encara com condescendência e afeto. Já o amor é só de extremos e, ou se entrincheira na intolerância, ou se anula na cegueira total. Amigo entende, agüenta, perdoa. “Amigo é pra essas coisas”, como diz aquela cantiga tão bonita.
Se você não é capaz de ter amigos, você é um erro da natureza, você é como o unicórnio, o animal de que se fala mas não existe. Porque até os bichos têm amigos; e dizem que, depois da morte, no outro mundo, as almas mantêm sublimadas as amizades cá de baixo, naquela quintessência de excelências que só o céu pode dar.
21.9.1996.
Raquel de Queiroz- retirado do livro Coleção melhores crônica. Seleção e prefácio: Heloisa Buarque de Hollanda
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