Na 194° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 24 de outubro de 2010, transmissão pela Rádio CLube de Valença 650 KHZ AM apreciamos a crônica da aluna Carolina de Farias C. da Silva- Aluna do primeiro ano de turismo do IFBA, Campus Valença- Bahia
Lição na Praça
Estava sentada há horas no banco estrépido da Praça da República, centro de Valença, pertinho da rua Deocleciano Gomes, onde moro. Nada me chamava atenção. Apenas o cansaço e o sono me tomavam. Três semanas de avaliações e trabalhos escolares esculpidos na minha postura encurvada e no meu olhar caído. De súbito, o som de buzinas me fizeram despertar para um engarrafamento que estava acontecendo à minha frente – nada incomum – uma fileira de carros de variadas cores e diversos modelos, novos e velhos, motoristas estressados e impacientes. Já voltando a abaixar o olhar, um garoto passa correndo em direção à rua. Passaria despercebido por mim, como tantos outros, jeito malandro, roupas velhas, pouca idade (oito a dez anos) e uma caixa que trazia nas mãos. Contudo, não foi assim desta vez. Minha curiosidade feminina foi aguçada e me fez observar o que faria ele indo em direção aos carros. Parou ao lado de um veículo prata e fez sinal para que baixassem o vidro fume. Imediatamente pensei que se tratasse de um assalto, mas logo desisti da idéia pois havia muita gente no local e era só uma criança. A realidade é que a infância está bem mais curta em nosso país, principalmente para os mais pobres. Na minha cidade esse triste fato pode ser fotografado nas ruas. Mas ainda custa admitir e aceitar isso. Bom, no carro, uma senhora de cinqüenta a sessenta anos, aparência cativadora e rosto bondoso, perguntou com tranqüilidade o que ele deseja. O garoto abriu jeitosamente a caixa e mostrou-lhe. O que havia ali dentro? Estique-me um pouco e vi balas, jujubas e pirulitos. A senhora, como eu, fez uma expressão de agrado, deixando o garoto animado. Entregou algumas moedas a ele, pegou umas balas e, num gesto amável, alisou os cabelos enrolados, curtos e pretos do menino. Neste momento, ele parecia estar no melhor de todos os lugares. Fui contagiada por aquela emoção. Em seguida, a idosa abaixou o vidro. O menino ainda estava parado e feliz quando foi despertado por uma garotinha, também com uma caixa na mão, que o impelia a continuar o trabalho. Como saindo de um sonho, o menino seguiu para o próximo carro no qual havia uma jovem. Ao ver os doces, ela afirmou não ter dinheiro. Nesse momento a surpresa: “ Então você passa a mão na minha cabeça?” perguntou o garoto.
A jovem ficou espantada. Novamente sons de buzinas. Ela deveria seguir, pois o semáforo deu passagem. A moça partiu. Foi-se também o menino, dirigindo-se à outra rua. Ficou em mim a emoção e a consciência de carência afetiva dos meninos do lugar onde moro, meninos que apesar de trabalharem o dia inteiro sem garantia de dinheiro, não passam horas sentados, lamentando cansaço e sono. Aprendi que sou dramática.
Carolina de Farias C. da Silva- Aluna do primeiro ano de turismo do IFBA, Campus Valença- Bahia. Participou das Olimpíadas da Língua Portuguesa escrevendo o futuro,organizado pelo Ministério da Educação e a Fundação Itaú Social.
Publicado no Jornal Valença Agora, quinta-feira, de 21 a 27 de outubro de 2010. ano IX n° 286. Lido no programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER do dia 24 de outubro de 2010 (domingo)
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