quinta-feira, 7 de maio de 2009

Os dois pombinhos



Leitura feita na 126° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 3 de maio de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650Khz AM.
Eram felizes. Queriam-se muito e contentavam-se com o que tinham. Mas um deles perdeu a cabeça e, farto de tanta paz, encasquetou na cabeça a idéia de correr mundo.

-Para quê?- advertiu o companheiro. Não é tão sossegado aqui este remanso?

-Quero ver terras novas, respirar novos ares.

-Não vá! Há mil perigos pelo caminho, incertezas, traições. Além disso, o tempo não é próprio. Época de temporais.

De nada valeram os bons avisos. O pombinho assanhado beijou o companheiro e partiu.

Nem de propósito, uma hora depois o céu se tolda, os ventos rugem. O imprudente viajante agüenta o temporal inteiro fora de abrigo, encolhido numa árvore seca. Sofre horrores; mas salva-se, e quando veio a bonança pôde continuar a viagem. Dirigiu-se a um lindo arrozal, pensando:

-Que vidão irei passar neste mimoso tapete de verdura!

Ai!... Nem bem pousou e já se sentiu preso num laço.

Uma hora de desespero, a debater-se...

Foi feliz ainda. O laço apodrecido pelas chuvas rompeu-se e o pombinho safou-se. E fugiu, exausto, com várias penas de menos e um fio de barbante aos pés, a lhe embaraçar o vôo.
Nisto um gavião surge que se precipita sobre ele com rapidez de flecha. O mísero pombinho, atarantado, mal tem tempo de abrigar-se no terreiro dum casebre de lavradores. Desse modo livrou-se do rapinante, mas não pôde livrar-se dum menino que de bodoque em punho correu para cima dele e espoleteou-o.

Corre que corre perereca que perereca, o mal-aventurado pombinho conseguiu ainda uma vez escapar, oculto num oco de pau.

E ali, curtindo as dores da asa quebrada, esperou pacientemente que o inimigo se fosse. Só então, com mil cautelas, pôde fugir para o ninho.

“Ao vê-lo chegar, arrastando a asa, depenado, moído de canseira, o companheiro beijou-o por entre lágrimas e disse:” Bem certo o ditado: “Boa romaria faz quem em casa fica em paz”

Fábula de Monteiro Lobato retirado do Livro: Sítio do PicaPau Amarelo

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