quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Arnaldo Antunes in tudos


Eu apresento a página branca.
Contra: burocratas transvestidos de poetas.
Sem-graças, transvestidos de sérios.
Anões, transvestidos de crianças.
Complacentes, transvestidos de justos.
Jingles, transvestidos de rock.
Estórias, transvestidos de cinema.
Chatos, transvestidos de coitados.
Passivos, transvestidos de pacatos.
Medo, transvestido de senso.
Censores, transvestidos de sensores.
Palavras, transvestidas de sentido.
Palavras caladas, transvestidas de silêncio.
Obscuros, transvestidos de complexos.
Bois, transvestidos de touros.
Fraquezas, transvestidas de virtudes.
Bagaços, transvestidos de cérebros.
Celas, transvestidas de lares.
Paisanas, transvestidas de drogados.
Lobos, transvestidos de cordeiros.
Pedantes, transvestidos de cultos.
Egos, Transvestidos de Eros.
Lerdos, transvestidos de zen.
Burrice, transvestida de citações.
Água, transvestida de chuva.
Aquário, transvestido de Tevê.
Água, transvestida de vinho.
Água solta, apagando o afago do fogo.
Água mole, sem pedra dura.
Água parada onde estagnam os impulsos.
Água que turva as lentes e enferrujam as lâminas.
Água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções.
Insípida, amorfa, inodora, incolor.
Água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky
Água onde não há seca
Água onde não há sede
Água em abundância
Água em excesso
Água em palavras
Eu apresento a página branca
A árvore sem sementes
O vidro sem nada na frente
Contra a água.

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