Pintura da artista visual Amalia Grimaldi,
tema da garrafa de sobrevivência que recebi hoje.
Por segunda vez, em homenagem a amiga, Amalia Grimaldi
Desta vez, eu ansiava uma segunda garrafa de sobrevivência. A primeira,
chegou-me na transição de conjução dos astros ascendentes. Trouxe,
junto com ela, uma chave. Guardo-a como amuleto para a grande viagem.
Por toda a madrugada, esperei firme no penhasco, olhando o horizonte,
mas apenas ondas gigantes e revoltosas chocaram-se contra os rochedos.
Poe, junto a mim, desejava Lenora – que se embrenhara na noite do Corvo -
Contrário, a mim, ele, Edgar, dormiu, alí mesmo, pousando o corpo
esguio e frágil na mais pontiaguda pedra. Eu, recolhi-me ao quarto onde
me esperavam notáveis espelhos.
Logo ao amanhecer, no instante em
que Pessoa, terminou de “raspar as tintas com que pintaram os seus
sentidos”; dirigir-me novamente ao rochedo. Desta vez, quem se
agigantara era eu. As ondas, pareciam meninas, felizes, tranquilas, a
brincar na praia, recolhendo brinquedos ofertados pelo mar: pedras,
conchas, estrelas, gravetos.
O infinito, era só luz e meus olhos,
atordoados de esperança, só enxergavam uma diminuta garrafa de
sobrevivência que se aproximava ao ritmo das ondas como na sinfonia
primavera, do padre ruivo.
Estava predestinada a mim, desde a última
era glacial. Muito embora sem endereçamento. Não havia indício de quem
era o remetente nem o destinatário. Qualquer pessoa, atenta aos sinais
dos tempos, poderia se apossar dela. Entretanto o conteúdo da garrafa, a
mensagem que estava dentro, revelava o leitor. Revelava o nome da
pessoa que poderia decifrá-la. Aquela garrafa era para mim por que eu a
esperava desde sempre.
Lembrei do elescaramujo de Myriam
Rozemberg, com seu micro relato, onde o personagem Salvador, encontra
uma garrafa e na ansia por saber seu conteúdo termina morrendo afogado. A
mensagem que trazia a garrafa dizia apenas “agora conhecerás todos os
segredos”. Ao recordar Myriam Rozemberg, lembrei também de Borges: “ a
escrita metódica me distrai da presente condição dos homens. A certeza
de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas. Conheço
distritos em que os jovens se prosternam diante de livros e beijam com
barbárie as páginas, mas não sabem decifra uma única letra.”
Esta
garrafa, não precisou chocar-se contra as pedras. Veio em minha direção,
agora que estou pousada os pés na praia. Abaixo-me para pegá-la. Era
uma garrafa de cerâmica, com vários temas: tesoura, carta, pássaro,
menina, formas geométricas, estrela, azul, verde, marrom. No gargalo,
uma correntinha de prata, fininha, presa a tampa. Não fiz esforço para
abri-la. Nesta hora, eu, sentada na praia, solitária. As ondas, foram
descansar lá fora. O silêncio, é puro. Até o vento, parou para escutar.
Sim, por que, ao abrir a garrafa de sobrevivência e me apossar do
pergaminho, para ler a mensagem naquela hora, como reza a lenda, eu
teria que fazer a leitura em voz alta, como se estivesse no rádio a LA
Cazum.
Escute.
Eis, a mensagem que trouxe-me a segunda garrafa
de sobrevivência, proveniente do continente-ilha, que atravessou o
índico até o atlântico onde me encontro.
Escute, mulher.
Escute, homem.
“ Querida e inesquecivel amiga Celeste Martinez, sao muitas as pedras
dos caminhos, porem, somos cumplices e testemunhas dessa grandiosa
dadiva do Universo, a energia que nos inspira, e que nos faz seguir
adiante. Quando voce falou em viagem, lembrei-me desse texto que
anteriormente havia escrito e assim me veio a cabeca:
“ Quando você
partir, em direção a Ítaca, que sua jornada seja longa, repleta de
aventuras, plena de conhecimento. Não temas Laestrigones e Ciclops nem o
furioso Poseidon; você não irá encontrá-los durante o caminho, se o
pensamento estiver elevado, se a emoção jamais abandonar seu corpo e seu
espírito. Laestrigones e Ciclops, e o furioso Poseidon não estarão no
seu caminho se você não carregá-los em sua alma. Se sua alma não os
colocar diante de seus passos. (palvras do admiravel poeta egipcio
Konstantinos Kavafis).
Espero que sua estrada seja longa. Que sejam
muitas as manhãs de verão, que o prazer de ver os primeiros portos traga
uma alegria nunca vista. Procure visitar os empórios da Fenícia, vá às
cidades do Egito, aprenda com um povo que tem tanto a ensinar. Não perca
Ítaca de vista, pois chegar lá é seu destino. Mas não apresse seus
passos; é melhor que a jornada demore muitos anos e seu barco só ancore
na ilha quando você já tiver enriquecido, com o que conheceu no caminho.
Não espere que Ítaca lhe dê mais riquezas, Ítaca já lhe deu uma bela
viagem; sem Ítaca, você jamais teria partido. Ela já lhe deu tudo, e
nada mais pode lhe dar. Se no final, você achar que Ítaca é pobre, não
pense que ela lhe enganou. Porque você tornou-se um sábio, viveu uma
vida intensa,e este é o significado de Ítaca.” Celeste, obrigada pelo
belo texto. Grande abraco.
Valença, Bahia 24 de maio de 2017 Celeste Martinez