quarta-feira, 31 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 31 de maio de 2017

É costumeiro escutar críticas sobre o centro do comércio em Valença Bahia, mais conhecido como Calçadão ou extensão da rua Governador Gonçalves. A maioria que reclama, deposita a sua insatisfação às trabalhadoras e trabalhadores informais que alí estão.
Bagunça, é o adjetivo mais usado.
Recentemente, notei, que estes vendedores ambulantes, foram organizados ou seja foram enfileirados, deixando duas vias de circulação.
Poderia ser denominada esquerda e direita?
Mão e contra-mão?
Fiz um pequeno teste visual me posicionando logo na entrada e gostei da distribuição. Notei inclusive que o espaço ganhou mais vendedores depois da arrumação. Agora, temos artesãos.
Quando, no entanto, abaixei os olhos. Quanta frustação. Eram poças e mais poças d'águas.
Então constatei que o problema do Calçadão, não são as pessoas mais humildes que alí estão, tentando sobreviver honestamente. É a feiura do piso. A falta de planejamento.
Onde já se viu um centro comercial sem escoamento de água?
Se olhar para cima também ficaremos horrorizados com os inúmeros fios amontoados e o descompasso na programação visual das fachadas das lojas.
Não, eu não creio, que a feiura do Calçadão sejam estas mulheres e homens que dispensam o seu tempo em vender o melhor.
Sim, alí, você encontra, o maior coco seco, a mais bela banana, o mais cheiroso caju, o mais vermelho caquí, as mais apetitosas uvas, o mais azedo umbú, o mais nostálgico brinquedo de madeira, o mais pirata dos filmes, as maiores variedades de temperos verdes.
Para quê mudar isso?
É cultura!
Quando Oswald de Andrade, criou o Movimento Antropofágico na década de vinte, agitou com seu manifesto no meio artístico a questão para a identidade brasileira. Era o fervilhamento do modernismo. Mais este como movimento de ruptura dos padrões estéticos da arte tradicional, durou pouco. Ainda estamos impregnados com o eurocentrismo. Ainda impera o desejo de conhecer a Europa como padrão de viagem internacional. Continua a tendência a desvalorizar o nacional. A falar mal da nossa gente. Comumente, escutamos:
O povo de Valença Bahia, não tem cultura por que cospe no chão.
Tem cultura, sim.
Existem duas comparações similares sobre Valença e ao mesmo tempo antagônicas, que escuto sempre as pessoas dizerem. Uma desprestigia a outra enaltece.
O primeiro exemplo é sobre as aglomerações humanas no Calçadão. Tem gente que diz:
- Parece que estou na Índia!
As mesmas críticas e comparação quando se trata do trânsito. Na índia pode ser legal mas em Valença Bahia, nunca.
O segundo exemplo similar é sobre o Rio Una. Tomemos a pequena extensão navegável desde a Ponte José Franco, próximo à Companhia Valença Industrial -C. V. I – até as imediações do Tento. Já escutei que se fizesse uma intervenção neste trecho, com a implementação de pedalinhos, poderia se comparar a Veneza. Nesse caso, enaltece a cidade.
Ah! Se Valença Bahia fosse parecida a Veneza!
Quando entendermos a nossa história e passarmos a contribuir mais através das nossas atitudes locais, observando suas limitações e suas possibilidades de melhoramento, quiçá vislumbraremos uma cidade singular, que tem um pouco da Índia e poderia ter um pedacinho de Veneza. Mais acima de tudo, teríamos uma cidade para amar.
Valença, Bahia, 16 de maio de 2017 Celeste Martinez

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