sábado, 19 de junho de 2010

As Intermitências da Morte de José Saramago

As Intermitências da Morte é um livro do escritor português José Saramago publicado em 2005. Sua frase inicial "No dia seguinte ninguém morreu" é ponto de partida para ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência.

Fiel ao seu estilo e ainda mais sarcástico e irônico, Saramago vai além de reflexões existenciais, fazendo uma dura crítica a sociedade moderna (o país da obra é fictício) ao relatar as reações da Igreja, do Governo, do Clero, dos repórteres, dos filósofos, dos economistas, das funerárias, casas de pensão, hospitais, seguradoras, das famílias com um moribundo em casa, da máphia, etc.
TRECHOS DA OBRA: AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE

"A vantagem da igreja é que, embora às vezes o não pareça, ao gerir o que está no alto, governa o que está em baixo. (...) a nossa outra especialidade, além da balística, tem sido neutralizar, pela fé, o espírito curioso".

“De Deus e da morte não se tem contado senão histórias, e esta é mais uma delas.”, página 146

“Os amantes da concisão, do modo lacônico, da economia de linguagem, decerto se estarão perguntando porque, sendo a idéia assim tão simples, foi preciso todo este arrazoado para chegarmos enfim ao ponto crítico. A resposta também é simples, e vamos dá-la utilizando um termo atual, moderníssimo, com o qual gostaríamos de ver compensados os arcaísmos com que, na provável opinião de alguns, hemos salpicando de mofo este relato, Por mor do background.”, página 67

“É possível que só uma educação esmerada, daquelas que já se vêm tornando raras, a par, talvez, do respeito mais ou menos superticioso que nas almas timoratas a palavra escrita costuma infundir, tenha levado os leitores, embora motivos não lhes faltassem para manifestar explícitos sinais de mal contida impaciência, a não interromperem o que tão profusamente viemos relatando e a quererem que se lhes diga o que é que anunciou o seu regresso.”, página 123

“Por um instante a morte soltou-se a si mesma, expandindo-se até às paredes, encheu o quarto todo e alongou-se como um fluido até à sala contígua, aí uma parte de si deteve-se a olhar o caderno que estava aberto sobre uma cadeira, era a suite número seis opus mil e doze em ré maior de johann sebastian bach composta em cöthen e não precisou de ter aprendido música para saber que ela havia sido escrita, como a nona sinfonia de beethoven, na tonalidade da alegria, da unidade entre os homens, da amizade e do amor. Então aconteceu algo nunca visto, algo não imaginável, a morte deixou-se cair de joelhos, era toda ela, agora, um corpo refeito, e por isso é que tinha joelhos, e pernas, e pés, e braços, e mãos, e uma cara que entre as mãos escondia, e uns ombros que tremiam não se sabe porquê, chorar não será, não se pode pedir tanto a quem sempre deixa um rasto de lágrimas por onde passa, mas nenhuma delas que seja sua. Assim como estava, nem visível nem invisível, em esqueleto nem mulher, levantou-se do chão como um sopro e entrou no quarto.", páginas 158 e 159

“Não entendo nada, falar consigo é o mesmo que ter caído num labirinto sem portas, Ora aí está uma excelente definição da vida, Você não é a vida, Sou muito menos complicada que ela.”, página 198

"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.", página 214
Fonte: Wikipédia

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