quarta-feira, 31 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 31 de maio de 2017

É costumeiro escutar críticas sobre o centro do comércio em Valença Bahia, mais conhecido como Calçadão ou extensão da rua Governador Gonçalves. A maioria que reclama, deposita a sua insatisfação às trabalhadoras e trabalhadores informais que alí estão.
Bagunça, é o adjetivo mais usado.
Recentemente, notei, que estes vendedores ambulantes, foram organizados ou seja foram enfileirados, deixando duas vias de circulação.
Poderia ser denominada esquerda e direita?
Mão e contra-mão?
Fiz um pequeno teste visual me posicionando logo na entrada e gostei da distribuição. Notei inclusive que o espaço ganhou mais vendedores depois da arrumação. Agora, temos artesãos.
Quando, no entanto, abaixei os olhos. Quanta frustação. Eram poças e mais poças d'águas.
Então constatei que o problema do Calçadão, não são as pessoas mais humildes que alí estão, tentando sobreviver honestamente. É a feiura do piso. A falta de planejamento.
Onde já se viu um centro comercial sem escoamento de água?
Se olhar para cima também ficaremos horrorizados com os inúmeros fios amontoados e o descompasso na programação visual das fachadas das lojas.
Não, eu não creio, que a feiura do Calçadão sejam estas mulheres e homens que dispensam o seu tempo em vender o melhor.
Sim, alí, você encontra, o maior coco seco, a mais bela banana, o mais cheiroso caju, o mais vermelho caquí, as mais apetitosas uvas, o mais azedo umbú, o mais nostálgico brinquedo de madeira, o mais pirata dos filmes, as maiores variedades de temperos verdes.
Para quê mudar isso?
É cultura!
Quando Oswald de Andrade, criou o Movimento Antropofágico na década de vinte, agitou com seu manifesto no meio artístico a questão para a identidade brasileira. Era o fervilhamento do modernismo. Mais este como movimento de ruptura dos padrões estéticos da arte tradicional, durou pouco. Ainda estamos impregnados com o eurocentrismo. Ainda impera o desejo de conhecer a Europa como padrão de viagem internacional. Continua a tendência a desvalorizar o nacional. A falar mal da nossa gente. Comumente, escutamos:
O povo de Valença Bahia, não tem cultura por que cospe no chão.
Tem cultura, sim.
Existem duas comparações similares sobre Valença e ao mesmo tempo antagônicas, que escuto sempre as pessoas dizerem. Uma desprestigia a outra enaltece.
O primeiro exemplo é sobre as aglomerações humanas no Calçadão. Tem gente que diz:
- Parece que estou na Índia!
As mesmas críticas e comparação quando se trata do trânsito. Na índia pode ser legal mas em Valença Bahia, nunca.
O segundo exemplo similar é sobre o Rio Una. Tomemos a pequena extensão navegável desde a Ponte José Franco, próximo à Companhia Valença Industrial -C. V. I – até as imediações do Tento. Já escutei que se fizesse uma intervenção neste trecho, com a implementação de pedalinhos, poderia se comparar a Veneza. Nesse caso, enaltece a cidade.
Ah! Se Valença Bahia fosse parecida a Veneza!
Quando entendermos a nossa história e passarmos a contribuir mais através das nossas atitudes locais, observando suas limitações e suas possibilidades de melhoramento, quiçá vislumbraremos uma cidade singular, que tem um pouco da Índia e poderia ter um pedacinho de Veneza. Mais acima de tudo, teríamos uma cidade para amar.
Valença, Bahia, 16 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 30 de maio de 2017


Para Marcia Almeida

A crônica cotidiana publicada no dia 28 de maio de 2017, cujo enredo foi meu encontro com o homem, vendedor de aipim, obteve um dinamismo extraordinário. Acrescento: Desdobramento.
Tomada de intensa emoção, eu caminhava, à medida que escrevia os primeiros esboços. A minha chegada no supermercado e a conversa com “alguém”, que diz assídua leitora das minhas crônicas, foi suficiente para estimular um novo texto.
Devo confessar para você, que dedica-se a esta rotineira leitura diária, que não é fácil, escolher entre tantas opções de acabamento da escritura, qual a ideal. Exemplo, são as denominações.
Em alguns casos, por questões de ética convém não. Mais existem assuntos cotidianos dentro de um círculo de amizade que citar o nome de alguém é quase tão natural quanto uma conversa por telefone em plena rua.
Nestes, sigo sempre a minha intuição.
Exemplo:
Quando Clenildes Santos Pereira Santos e Rogerio Coutinho socializaram comentários a respeito do Senhor Floriano – o vendedor de aipim – Eu, na crônica seguinte , só revelei o nome de Clenildes- e confesso que não pedir permissão por que me sentir a vontade, tal fazem as amigas-
Pensei em utilizar todas as contribuições entretanto na hora de escrever, existe um mistério indiscutível. Não sei explicar. Ao citá-la, mesmo sem autorização, obtenho dela a mais fantástica frase de elogio, que foi a seguinte:
“Suas crônicas está sendo um Alacazum escrito”.
Logo abaixo do comentário da Clenildes, o amigo Rogério Coutinho, escreve: Thank You.
Concluo ao ler esta frase que ele ficou ressentido por eu não ter utilizado a informação dele. Pensando nisso, aciono uma pergunta e ele me responde, confirmando o que antes, para mim, não estava definido. Eu não tinha certeza que o uso da expressão “jóia” em atribuição ao aipim fosse para a mesma pessoa.
Se agora, revelo o nome do Rogério Coutinho, tenho a sua autorização.
Agora, eu pergunto: E a mulher que conversou comigo no supermercado, que inspirou-me a crônica de ontem, ficaria feliz se eu a identificasse?
Após, o desenrolar desta aventura, nesta exata parte do texto onde me encontro, atrevo-me a dizer que sim.
Por que foi ela, que deixou , ontem, o seguinte comentário:
“Oi querida! Como te disse leio todas, parabéns, beijos.”
Posso estar equivocada ou a minha intuição me trair, entretanto neste exato momento, quando deponho a minha emoção sobre o papel, vêem-me a mente uma infinita ciranda, onde cada um dos que lêem as minhas crônicas, são pessoas do bem e por isso mesmo se citados, na exigência do movimento textual, ajustam-se perfeitamente, como as trovas do irmanado cantar.



Valença, 29 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 29 de maio de 2017


Essa crônica, é contrapartida da anterior quando relatei o encontro que tive com o homem que vende aipim, empurrando um carrinho todo em madeira. E que agora sei o nome por que a amiga Clenildes, assídua leitora, informou-me quando lá deixou um comentário. Chama-se Senhor Floriano.
Após o término da conversa que tive com ele, precisei ir ao supermercado. Estava empolgada com o encontro que tive com aquele cidadão. Brotou a vontade de escrever. Enquanto caminhava, peguei o caderno e fui logo lapidando as primeiras letras. Já no supermercado, aguardando atendimento, prosseguir no esboço. Foi quando ouvi:
- É a crônica?
Uma mulher, parada bem ao meu lado, que também aguardava atendimento.
- Sim. Respondi e imediato perguntei:
- Como sabe?
- Acompanho. Leio todas.
Não sei qual foi o motivo que naquele momento, ocorreu um estranhamento na memória. Poderia ser pelo meu envolvimento com a ideia que tentava aprisionar, escrevendo.Para não ser mal educada, prosseguir conversando, com toda certeza, eu a reconheceria, logo, logo. Foi quando ela relembrou a crônica onde falei sobre o personagem que fugia de mim para não virar crônica. Ela deu sua opinião, mais não recordo o quê, exatamente.
Era questão de três ou quatro minutos para finalizar o atendimento e em minha cabeça, articulava mil coisas:
Primeiro: o fio da meada do que havia se partido enquanto eu escrevia.
Segundo: a atenção para a mulher.
Terceiro: o compromisso programado para aquele momento.
Quarto: o reconhecimento da fisionomia.
E Quinto: a nova crônica que surgia.
Olhava fixamente para ela. Rosto familiar.
E claro, as minhas crônicas são publicadas na página do Facebook, para poucas amigas e amigos. Ela é uma destas seletas amizades da virtualidade.
- Você é minha amiga no Face?
- Sim. Respondeu-me
O nome não veio imediato entretanto já visualizava o perfil dela na página. Assim que chegasse em casa, averiguaria o nome.
Despedimo-nos.
Veja, só!
Quanto movimento está ocorrendo com esta minha escritura cotidiana.
É como se alguns personagens da cidade fossem pouco a pouco, sendo pintados e eternizados em um grande quadro. Fico feliz, por isso!

 
Valença, Bahia, 26 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 28 de maio de 2017


Atravessava a faixa de pedestre da rua Ruy Barbosa, cruzamento com as ruas Quintino Bocaiúva e Praça da República, em Valença Bahia, quando encontrei, bem alí no passeio, um senhor, conhecido de muitos anos. Expressei imediato na face um belo e largo sorriso. Disse, encurvando meu corpo em reverência:
- Olá, Mestre!
Este, sem pestanejar, respondeu:
- Mestre, é aquele!
Sincronizou a palavra com o gesto em retirar da cabeça o boné e levantar as mãos para o céu, como em súplica. Referia-se ao Todo Poderoso.
Após, desviou o corpo para desobistruir a via pública, agarrou na minha mão com força e iniciou o diálogo que eu já previa o tema.
- Venha cá, professora, quem é mais Mestre aqui de nós dois?
- O senhor. Respondi.
- Oia, veja, bem, estou falando, que a senhora que estudou, dá converva a esse pobre homem. A senhora que se veste com simplicidade, não é arrogante e sempre conservou a sua essência.
Ele falava como se eu tivesse o diploma de doutora, quando, apenas conseguir obter a graduação. Descrevia-me tão bem que assustei-me com os adjetivos generosos atribuidos a mim. A nossa amizade, vem dos tempos em que estudei na Escola Média de Agropecuária Regional da Ceplac – EMARC- Valença. Ele era morador daquelas redondezas e presenciou muitas vezes minhas idas e vindas, a pé, calçada com pesadas botas. Desde a primeira vez, que dirigiu-me a palavra com um cordial bom dia e eu respondi com respeito, mantivemos uma camaradagem que depois foi enlarguecendo para a esposa, filhas e filhos. Uma delas, até quatro meses atrás, escutava o Alacazum.
Ele fez um breve resumo desta ocasião. Relatou com tanta nítidez aquele momento que eu pensei que estava vivendo novamente. Para mim, no entanto, era apenas o homem, que saía pelas ruas de Valença, empurrando um carrinho de mão, cheio de aipim para vender de porta em porta.
Em todas as conversas que tivemos, sempre faz questão de repetir que criou, todos os filhos, com esta atividade.
- Graças, a Deus! Tira o boné quando fala.
Vendo-o alí, vestido com calças compridas, blusa de manga larga, sandálias de tiras, desgastadas, é o mesmo homem dos meus tempos de escola na Emarc. O que muda são as marcas do tempo escritas no rosto em forma de mapas. Só passa a conhecer, quem se atreve, a escutá-lo. Fez uma análise momentânea entre aquele tempo vivido na Emarc com os de agora.
- Aquilo, sim era aprendizagem! Hoje, em dia, não se aprende nada, por que essa juventude, não respeita mais ninguém. Nem pai, nem mãe. Muito menos professora.
Eu, o escutava atentamente. Fixava o olhar em seu rosto. Conservava a mesma vitalidade na expressão e no sorriso. Apesar de desdentado, semi-careca, aquele homem, baixinho, que viveu toda sua vida nesta cidade, percorrendo o mesmo caminho, visitando as mesmas casas, conhecendo seus clientes compradores desta raíz, que como ele mesmo diz” sustentou toda a sua família, honestamente “; mantinha revigorante conversa encorajadoura. Era feliz. Sorria enquanto falava. Reconhecia no outro sua capacidade extratemporal. Eu o admirava. A energia de um ancião que com seus mais de oitenta anos, continua a trabalhar. Ah! Se eu não tivesse compromissos, ficaria alí horas a fio, escutando-o. A noite, empurrava a tarde para o outro lado do mundo. Teria que despedir-me. Ele entendeu.
- Vá, professor, vá .
Pegou seu carrinho de mão, todo em madeira, aparentava ser pesado, com algumas raízes de aipim dentro e partiu.
Como aquele homem, não se considerava Mestre, se naquele instante, inspirava-me uma crônica?

Valença, Bahia, 26 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 27 de maio de 2017

Ponte Luiz Eduardo Magalhães, na cidade de Valença Bahia.
Manhã de sexta-feira, 26 de maio de 2017.
Eu motorizada, driblando o volumoso número de automóveis perfilhados, outros desnorteados, distribuidos ao longo da grande reta que dá acesso à rua Barão de Jequiriçá.
Escapo por um lado. Desacelero. Volto a primeira. Acelero, engato a segunda. Saio da Ponte. Naquele pequeno trecho que equivale a subida da ladeira, tradicionalíssimo por sua congestão, paro, novamente. Um caminhão, bem lá na frente, fazia manobra para sair.
Estacionada e em trânsito. Reflito.
Quando, bem lentamente, observo através do retrovisor uma motocicleta que se aproximava em minha direção. Chegou e se acomodou, bem devagarinho do meu lado esquerdo. Escutei:
- Recebeu a mensagem do dia das mães? Deixei lá!
- Ham? Olhei para o cara. Era Joaquim do Pitanga. Antigo ouvinte-leitor, participativo, do Alacazum.
Não foi preciso indagar sobre o assunto, conhecendo o Joaquim, imediato entendi.
- Acabou! Disse-lhe. E ele:
- Ham?
Repetir, aumentando o volume da voz:
- Ham?
Ele tornou a fazer a mesma expressão de espanto, de mal entendimento. Alí, não era lugar para esclarecimentos, pois a ordem naquele momento era acelerar, descongestionar a rua, prosseguir, resolver as nossas labutas. Fui.
E Joaquim?
Confusão em trânsito.


Valença, Bahia, 26 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 26 de maio de 2017

Manhã nublada.
Quarta-feira, 17 de maio de 2017.
Saio de casa. Desta vez, caminhando.
Quando adentro à avenida Macônica, cruzamento com a avenida Tancredo Neves, em Valença, Bahia, o coletivo urbano, adianta-se, cuspindo fumaça.
Paro, respeitando a minha vida.
Bem na curva, o motorista, de dentro do ônibus, fixa os olhos em mim e sauda-me com continência militar.
Seria pela boina que uso?
Apuro as vistas.
Quem será?
Ei-lo: Alencar. Que não é José.
Eu, que caminhava séria, naquele instante, com tão inusitável saudação, abro um largo sorriso.
Oferto-lhe felicidades.
“ Vai, Alencar ser guache na vida”.
E ele, vai.
E o coletivo, invade a curva e segue por toda a avenida Tancredo Neves.
Agora, meus passos, ingressam na orla, interminável em sua reforma.
Vejo, os canteiros destituidos de terra, sem acabamento, expondo as raízes das árvores.
Detalhes. Não a canção do Roberto, que é Carlos.
Detalhes, que fazem a diferença quando o assunto é educação.
Árvores, não são seres respeitados desde que o Brasil foi Pindorama.
Quando tornou-se Brasil, piorou. Em uma avalanche desproporcional à extensão da Amazônia.
Que não é legal!!
Escapo rápido por este trecho. Estou com pressa.
Penso na crônica que planejei escrever e não fiz.
Penso na árvore podada com crueldade.
Penso no desamparo. Em Dona Bertholletia Excelsa.
Agora, caminho sobre a Ponte Inocêncio Galvão de Queiroz, na estreita calçada, onde corpos em movimentos, se adelgaçam, espicham-se, comprimem-se, deixam escapar líquidos de sua fluidez metafórica.
Mais importante que a matéria, é a superficialidade.
O que flutua na mente. Invisivel, imortal, até a hora de pensá-la.
É isto que nos torna eternos: o pensamento e a concretização da ideia
Avanço a geografia do corpo, chamado Valença.
A minha Valença?
Em que concepção?
A posse da terra ou aportar à terra como refúgio?
“ Eu que não vou nem venho, eu que permaneco em contato com a dor do tempo, eu elemento de ligação entre a ação e o pensamento”
Ah! Vinicius, que é Moraes e que tem moral para nos falar de uma tarde em itapoã.
Quanta divagação no caminhar de um lado para outro da cidade.
- Veja, olha lá, um sapo. Disse a criança.
Escuto, enquanto embarço para um outro estado.


Valença, 17 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 25 de maio de 2017

Valença está cheia de “esperança”. Esta foi a frase, acompanhada de uma fotografia do inseto Tettigonia Viridissima, postada na página do facebook do amigo Fábio Aguiar, que eu li e imediato lembrei de Clarice Lispector, no texto: “Uma esperança” , quando inicia dizendo:
“Aqui em casa pousou esperança. Não a clássica que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto”.
Sim, Valença Bahia, está sendo visitada por esperanças que se multiplicam em inúmeras esperanças espalhadas pelas ruas, nas casas, nos quintais. A princípio levei pelo lado poético e fiquei feliz em saber que Valença está cheia de esperança. Pode ser um bom sinal. Pensei comigo mesma. Mais depois, quando prosseguir “bisbilhotando” a postagem com a leitura dos comentários, fiquei informada que em outros lugares também, a esperança visitou. São eles: Taperoá, Ituberá, Presidente Tancredo Neves, Rio de Janeiro. Em um momento tão difícil que passa a economia e a política brasileira, a chegada de esperança mesmo que seja em forma de insetos, sempre anima o coração da gente.
Se a esperança, apenas visitasse a cidade de Valença Bahia, a felicidade estaria completa entretanto com a constatação de outros locais, fiquei preocupada.
Seria um desequilibrio ecológico?
Fui pesquisar. Verdade que estes insetos não são predadores como os gafalhotos que destroem as lavouras e não são irritantes quando invadem as nossas casas, tipo o grilo. Cri, cri, cri, cri.
É com o final da estação outono, que estes insetos, morrem. Antes, porém, depositam os seus ovos na terra e estes conseguem sobreviver por todo o inverno. E voltam a nascer na primavera até a vida adulta no verão. Muitos que foram encontrados mortos, é por que cumpriram o ciclo. Na página do Fábio Aguiar, li o seguinte comentário:
“ Meu filho tentou salvar uma (esperança) essa noite, quase que não dorme querendo cuidar”.
Esta atenção do Fábio, em estar atento ao movimento da cidade, é importante para gerar diálogo e interações. Mais também a facilidade de comunicação proporcionada pelas ferramentas eletrônicas são responsáveis por divulgação de notícias que em outros tempos passou despercebido.
Será que estes insetos sempre visitaram Valença nesta estação ?
Eu não lembro. Recordo, sim, das tanajuras.
“Caí, caí, tanajura, na panela da gordura!
Quem lembra?
E saíamos, todos, meninas e meninos, pela rua afora – por que não tinham carros desgovernados naquela época para nos matar – atrás destes insetos e me desculpe a franqueza, com um espeto na mão.
Ah! tempo bom aquele!
Por que será que lembro da tanajura, dos tempos de minha infância e não lembro da esperança?
Deve ser por que naquele tempo, a esperança ficava guardada dentro da arca, bem lá no fundo, para caso de emergência.
Estava por escrever esta crônica sobre a esperança, no exato dia em que li a postagem na página do Fábio, e por algum motivo não fiz. Acontece que hoje, o amigo Iraildo, que trabalha na Pizzaria Os Martinez, trouxe-me um presente, enviado por sua mãe, a Dona Rita.
Advinha?
Livros e algumas frutas de rambutan. Os dois livros, ofertados por Dona Rita, têem como título: Esperança.
Vejam só quanta providência.
O tempo, é de esperanças. E ela, como parte da sabedoria dos tempos, apresenta-nos em formas diversas, sejam insetos, livro, leitura ou o próprio sentimento.
E Zefini!
 
Valença, Bahia, 25 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez




Pintura da artista visual Amalia Grimaldi, 
tema da garrafa de sobrevivência que recebi hoje.


Por segunda vez, em homenagem a amiga, Amalia Grimaldi


Desta vez, eu ansiava uma segunda garrafa de sobrevivência. A primeira, chegou-me na transição de conjução dos astros ascendentes. Trouxe, junto com ela, uma chave. Guardo-a como amuleto para a grande viagem.
Por toda a madrugada, esperei firme no penhasco, olhando o horizonte, mas apenas ondas gigantes e revoltosas chocaram-se contra os rochedos. Poe, junto a mim, desejava Lenora – que se embrenhara na noite do Corvo -
Contrário, a mim, ele, Edgar, dormiu, alí mesmo, pousando o corpo esguio e frágil na mais pontiaguda pedra. Eu, recolhi-me ao quarto onde me esperavam notáveis espelhos.
Logo ao amanhecer, no instante em que Pessoa, terminou de “raspar as tintas com que pintaram os seus sentidos”; dirigir-me novamente ao rochedo. Desta vez, quem se agigantara era eu. As ondas, pareciam meninas, felizes, tranquilas, a brincar na praia, recolhendo brinquedos ofertados pelo mar: pedras, conchas, estrelas, gravetos.
O infinito, era só luz e meus olhos, atordoados de esperança, só enxergavam uma diminuta garrafa de sobrevivência que se aproximava ao ritmo das ondas como na sinfonia primavera, do padre ruivo.
Estava predestinada a mim, desde a última era glacial. Muito embora sem endereçamento. Não havia indício de quem era o remetente nem o destinatário. Qualquer pessoa, atenta aos sinais dos tempos, poderia se apossar dela. Entretanto o conteúdo da garrafa, a mensagem que estava dentro, revelava o leitor. Revelava o nome da pessoa que poderia decifrá-la. Aquela garrafa era para mim por que eu a esperava desde sempre.
Lembrei do elescaramujo de Myriam Rozemberg, com seu micro relato, onde o personagem Salvador, encontra uma garrafa e na ansia por saber seu conteúdo termina morrendo afogado. A mensagem que trazia a garrafa dizia apenas “agora conhecerás todos os segredos”. Ao recordar Myriam Rozemberg, lembrei também de Borges: “ a escrita metódica me distrai da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas. Conheço distritos em que os jovens se prosternam diante de livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifra uma única letra.”
Esta garrafa, não precisou chocar-se contra as pedras. Veio em minha direção, agora que estou pousada os pés na praia. Abaixo-me para pegá-la. Era uma garrafa de cerâmica, com vários temas: tesoura, carta, pássaro, menina, formas geométricas, estrela, azul, verde, marrom. No gargalo, uma correntinha de prata, fininha, presa a tampa. Não fiz esforço para abri-la. Nesta hora, eu, sentada na praia, solitária. As ondas, foram descansar lá fora. O silêncio, é puro. Até o vento, parou para escutar.
Sim, por que, ao abrir a garrafa de sobrevivência e me apossar do pergaminho, para ler a mensagem naquela hora, como reza a lenda, eu teria que fazer a leitura em voz alta, como se estivesse no rádio a LA Cazum.
Escute.
Eis, a mensagem que trouxe-me a segunda garrafa de sobrevivência, proveniente do continente-ilha, que atravessou o índico até o atlântico onde me encontro.
Escute, mulher.
Escute, homem.
“ Querida e inesquecivel amiga Celeste Martinez, sao muitas as pedras dos caminhos, porem, somos cumplices e testemunhas dessa grandiosa dadiva do Universo, a energia que nos inspira, e que nos faz seguir adiante. Quando voce falou em viagem, lembrei-me desse texto que anteriormente havia escrito e assim me veio a cabeca:
“ Quando você partir, em direção a Ítaca, que sua jornada seja longa, repleta de aventuras, plena de conhecimento. Não temas Laestrigones e Ciclops nem o furioso Poseidon; você não irá encontrá-los durante o caminho, se o pensamento estiver elevado, se a emoção jamais abandonar seu corpo e seu espírito. Laestrigones e Ciclops, e o furioso Poseidon não estarão no seu caminho se você não carregá-los em sua alma. Se sua alma não os colocar diante de seus passos. (palvras do admiravel poeta egipcio Konstantinos Kavafis).
Espero que sua estrada seja longa. Que sejam muitas as manhãs de verão, que o prazer de ver os primeiros portos traga uma alegria nunca vista. Procure visitar os empórios da Fenícia, vá às cidades do Egito, aprenda com um povo que tem tanto a ensinar. Não perca Ítaca de vista, pois chegar lá é seu destino. Mas não apresse seus passos; é melhor que a jornada demore muitos anos e seu barco só ancore na ilha quando você já tiver enriquecido, com o que conheceu no caminho.
Não espere que Ítaca lhe dê mais riquezas, Ítaca já lhe deu uma bela viagem; sem Ítaca, você jamais teria partido. Ela já lhe deu tudo, e nada mais pode lhe dar. Se no final, você achar que Ítaca é pobre, não pense que ela lhe enganou. Porque você tornou-se um sábio, viveu uma vida intensa,e este é o significado de Ítaca.” Celeste, obrigada pelo belo texto. Grande abraco.

 Valença, Bahia 24 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 23 de maio de 2017

Para a amiga, Amalia Grimaldi, que vive em Melbourne, Austrália.


Quarta-feira, dezessete de maio do ano de dois mil e dezessete foi um dia incomum em minha vida. Antes porém, a madrugada, que o antecedeu, havia um sintoma de conjunção no universo como um emaranhado de naúsea e delírio. Eu, não conseguir finalizar nenhum dos meus escritos. Fui dormir mais cedo por que no outro dia, teria que viajar. Na manhã, do dezessete, todos os meus passos foram sincronizados para a execução de acontecimentos. Eu apenas tinha um roteiro.
A caminhada desde a minha casa até a rodoviária, foi suficiente para que todas as informações absorvidas pelos meus sentidos, servissem para a elaboração mental de um texto. Nos quarenta e cinco minutos de espera para embarcar, construir uma crônica. O espaço de tempo transcorridos da viagem, até chegar ao meu destino e o retorno, todos, foram como laços. Começava um, terminava outro. Cheguei a ouvir diversas vezes:
- A senhora, está com sorte, hoje.
Eu, que não acredito na sorte, perguntava-me por que o universo tinha sido tão generoso comigo.
Já a noite, na Pizzaria, assim que chego, a primeira coisa que enxergo sobre a mesa é o Jornal Valença Agora Semanal.
Sento imediato para lê-lo. E quando abro a página de número dezoito, lá estava a Prosa Semanal da amiga Amália Grimaldi, cujo título: “A paixão da revolta pelo que se acredita”.
Assim que termino de ler esta frase, sou tomada de intensa emoção. Nem acreditei no que estava escrito logo abaixo. Meu coração palpitou mais intensamente. A mim estava endereçado. Dizia: Para Celeste Martinez. Quanta honra, receber de tão longe, direto de Melbourne, Austrália, uma garrafa de sobrevivência.
Pensei imediato, antes de pousar os passos por tão sagrado ambiente que teria que seguir bem devagar. Lembrei então da série de televisão Kung Fu, estrelado por David Carradine, onde o protagonista monge Shaolin Kwai Chang Caine, como prova de conhecimento, tem que pisar em papel de arroz sem machucá-lo.
Sabia, que Amália, quando escreve, diz mais do que palavras. Ela sopra o imaginado. O que vai brotar. A espontaneidade. A verdade. A clarividência. O estado.
Ela falava de Camus, no livro “ O Estrangeiro”, que eu nunca tinha lido.
E agora?
Nesta hora, os meus pés, haviam machucado o papel de arroz.
Retornei para a casa inicial: “ A paixão da revolta pelo que se acredita”. Para Celeste Martinez.
Ah! amiga, Amália Grimaldi, que percepção extrassensorial, que você tem! Obrigada. Por mais que você resumisse a obra de Camus, eu ainda me sinto aquém, de tua vivência e experiência.
Por enquanto, vale a sensação de tuas palavras-mãos, como acalento, no relento em que vivo.
Este teu alfarrábio contemporâneo, impresso na gráfica Prisma, emoldurarei como conquista. Na próxima estação, visitarei Camus.


Valença, Bahia, 23 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 22 de maio de 2017

Para Paola que vive em Campana -Bs As Argentina
Estava na filial da Pizzaria Os Martinez, sentada confortavelmente, bem em frente ao cruzamento entre as ruas Oldack Nascimento e a avenida Antonio Carlos Magalhães, justo onde está a sinaleira, observando a artista callejero, fazer malabarismos com bambolês.
A garota, pouco mais de vinte anos, franzina, rosto alongado, na cabeça, uma boina cor preto, vestido verde e calçando tênis, explorava os movimentos do brinquedo, uma hora com um pé, com o outro, com a mão direita, mão esquerda, no tórax. Firme em um só pé. Além da agilidade e experiência que demonstrava com o uso do equipamento, o sorriso estampado no rosto, foi sem sombra de dúvida a expressão mais marcante naquele momento observando-a.
A cada finalização do mini espetáculo, ela, enclinava o corpo para frente, agradecendo. Ao fazê-lo, parecia está diante de uma numerosa platéia, ouvindo trilhões de aplausos. Após, caminhava em direção aos carros, na esperança de uma recompensa pífia. Entre dez carros parados, um, contribuia. E ela, tirava a boina e apresentava como recipiente para o depósito. “ A la gorra” como se diz na Argentina. Lá, é muito comum estes artistas se apresentarem nas ruas. Daí a expressão “callejeros”. Quando, de minha passagem, por lá no ano dois mil, conheci a artista Paola que amava o Brasil. Agora, recordando-a, vejo, que é o mesmo sorriso, que oferta gratuitamente esta menina, que aí está, fazendo malabarismo na sinaleira.
Os automóveis passavam, novos se posicionavam e a menina, continuava a sua apresentação circense.
O céu, neste momento, totalmente cinza. Chuvia de fininho. Eu, no conforto, sentada em uma cadeira, protegida contra as intempéries.
Terão elas e eles, artistas callejeros, aprendido a filosofia do desapego?
Que missão, quase impossível, é esta, em ofertar alegria e descontração para uma pláteia preocupada, nervosa, contrariada, impaciente e atenta apenas ao objetivo que é ir e ir ?
Quantas, dessas pessoas, estacionadas dentro dos carros, vêem a menina?
Quantas, enxergam como artista?
Agora, a chuva passou. O sinal está aberto para o azul que aponta no céu.
A garota, sorridente, continua firme. Ela é versátil, dinâmica. Atraí olhares curiosos dos transeuntes. Mais não para o trânsito. Aproveita, sim, a brecha dos segundos permitidos para que o movimento cotidiano siga sem riscos.
Passa das dez.
Teria, a menina, se alimentado?
As contribuições monetárias, arrecadadas são suficientes para uma refeição?
Que gérmen é esse incrustado no sangue destes artistas que incentiva a sair pelo mundo?
Creio que os artistas callejeros, são passarinhos, que levam um tiquinho do seu canto-alegria para pessoas em trânsito.


Valença, Bahia, 22 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 21 de maio de 2017


  Para Elizete, do Jambeiro.

Nestes últimos dez anos, o dia de domingo, sempre foi muito especial. Principalmente as manhãs. Estou falando do programa de rádio Alacazum palavras para entreter.
Neste domingo, 21 de maio de 2017, por primeira vez, esqueci de lembrar do Alacazum.
Dormir até tarde. Quando abrir os olhos e a vida entrou em mim, sussurando sobre a chuva que caía lá fora, eu ainda estava na cama. O abrir dos olhos veio acompanhado da seguinte frase:
Nestes últimos dez anos.
Era a frase inicial que sinalava dentro de mim o começo de uma nova crônica.
Desci, momentaneamente da cama. Abrir a janela. A intuição sinalava que era muito tarde. Não atrevi a calcular quanto.
Lá fora, nuvens, lembrando creme chantilly, em cores branco e cinza, estavam estacionadas na paisagem. Contudo, notava-se a cor azul como pano de fundo. Liguei o celular. Imediato o dispositivo, avisa-me mensagem no WhatsApp. Era Elizete. Elizete do Jambeiro. Não. Elizete do Novo Horizonte. Da minha casa minha vida. Era assim que nos comunicavamos no rádio. Uma assídua e participativa ouvinte-leitora do Alacazum aos domingos. Penso:
- Deve ter enviado mensagem por que lembrou do Alacazum.
Estava lá:
- Bom dia! Ao lado a informação do horário. Seis e cinquenta e três.
Será que Elizete ainda está disponível para um bate papo?
Vou provocar com intuito de saber se ela lembrou do Alacazum ou foi simples vontade de falar comigo.
- Bom dia, Elizete! Você enviou mensagem este horário da manhã de domingo, pensando que eu já estava acordada?
Aguardei que a resposta fosse ao meu modo e com referência explícita sobre o Alacazum. De repente o sinalizador do aplicativo, mostra que está digitalizando. E vem a resposta:
- Sim. Por que Deus ajuda quem cedo madruga!
Frase típica de Elizete sem contudo responder os meus anseios. Fazendo implicitamente mesmo sem intenção, critica, a minha prostação nesta manhã de chuva.
- Neste domingo não. Ainda estou na cama.
Assumo a minha preguiça e também o meu esquecimento em não lembrar do Alacazum. Foi o esquecimento que me fez acordar tarde.
- Beleza, bom descanso! Ela responde.
Vixe, com a minha sinceridade, conseguir afugentar a amiga Elizete. Não quero isso. Por primeira vez, em muitas manhãs, converso com alguém via WhatsApp.
- Mais isso não é motivo para não conversar. Estar na cama, não necessariamente é para dormir. Hojé, é um dia raro. Acordei tarde.
- Não consigo acordar tarde! Ela diz.
Até agora, nenhuma palavra esperada. Nenhum indício do que eu queria ouvir.
Como exigir do outro a lembrança, se eu, esqueci?
Mais alguma coisa estimulava para prosseguir instigando.
- Você acorda mais cedo que o Sabiá-Laranjeira?
Um longo silêncio. Logo em seguida o sinalzinho: digitando.
- Qual a data do seu aniversário?
Caramba, nada a ver. A conversa foi para a casa do chapéu. Iniciei por conjugar o verbo esquecer no pretérito perfeito. No entanto é da minha natureza a inconformidade.
Será o Benedito que a amnésia, esta ameba pálida e mortal tenha se infiltrado em minha cabeças nesta manhã de domingo?
- Por que você lembrou de mim hoje? Fiz o último lance na tentativa de acerto.
- Por que estou em casa ainda. Foi a resposta.
É, minhas amigas e amigos, nem tudo saí como desejamos por que quase sempre não é o planejado.
Ainda estou na cama. Passa das dez e trinta e oito. Volto os olhos para a janela. Da paisagem que vislumbro, noventa por cento sobressaí a copa de frondoso pé de jamelão. Os outros dez por cento são nuvens carregadas, cor cinza escuro, branco esmaecido e um rasgo sutil de azul pálido. O sol, aos poucos, intensifica a temperatura. Sem pressa, arrastado.
E eu, voltei a conjugar o verbo esquecer, desta vez no presente do indicativo. Por que brincar de esquecer, doi menos.

Valença, Bahia, 21 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 20 de maio de 2017


Foi em uma dessas noites chuvosas de outono, mais precisamente as últimas semanas que introduzem a chegada do inverno.
Preparava-me para dormir quando aquele friozinho, alertou-me para o uso das meias.
É um conforto para os meus pés, em tempo frio- não muito frio, aqui no Brasil -
Fui até a gaveta, mais só encontrei um par de meias soquete. Quanta decepção.
Por onde andam os meus pares de meias? Pensei.
Revirei os compartimentos, baguncei e nada de encontrar. Devo estar ficando velha. Esqueci que não tenho meias. Fui acomodar-me na cama mais mantenho delineado na cabeça que no outro dia, compraria.
O outro dia chega e esqueço e assim seguiu por toda semana.
Por acaso, nesta sexta-feira, 19 de maio de 2017, entrei em uma loja e lembrei. Uma aventura, encontrar a meia ideal. Tenho exigências por algodão e cores frias.
Nesta loja, tinha uma variedade enorme. Via-se: Meia cano curto, sport basic, aeróbica feminina, sport juvenil, meia soquete.
Nenhuma me agrada. Sou uma pessoa super chata para comprar. Não me seduz facilmente qualquer modelo. Tem que ser o meu estilo. Se não tem, não compro.
Situações adversas, impede-me em ir em outra cidade e fico a mercê do comércio limitado da cidade de Valença, Bahia.
Entenda-se, que é limitado para o meu gosto. No caso especifico das meias não me importa a marca, contanto que seja cem por cento algodão. No meu caso, estou comprando meias que sirvam para dormir. Prefiro atoalhada, cano alto. Na secção feminina, não encontro. Sigo, sem constrangimento para a secção masculina. Nesta, vejo, uma da marca xis, mais com oitenta e três por cento de algodão, dezesseis por cento de poliamida e um por cento de outra fibra.
Outra fibra, para mim, é desconhecida.
O que será?
Vasculhei uma por uma. Foi a maior concentração de algodão que encontrei. Perdir um tempão para a escolha, de um único par de meias para dormir.
Paguei e ainda na loja, transportei-me mentalmente para o segundo país que eu mais amo: Argentina.
Lembrei dos tempos que por lá passei. E recordei dos pares de meias escocesas cem por cento algodão e suas cores: turquesa e branca, marinho e rosa, grafite e azul, cinza e rosa, branco e azul, lilás e verde, cinza e azul e as minhas preferidas: cinza, com estampa escocesa branco e preto.
Saudades de “mi Buenos Aires, querido...”
Lugar, onde mais os meus pés se sentiram calçados.


Valença, 19 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 19 de maio de 2017


No supermercado.
Secção de leites, conservas e enlatados.
Perambulava de um lado para outro olhando as prateleiras na tentativa de lembrar o que precisava comprar. Esqueci a lista.
De repente, os olhos, estes ácidos do consumo, direcionam o olhar para os enlatados. Que vontade súbita de comer sardinhas. Nenhuma referência com o tema futebolístico.
Vontade mesmo de comer manjuas e com farinha. Coisas de Celeste como diz a amiga Irismar. E bota coisa nisso. Nunca me aconteceu esse desejo repentino e olha que já estou fora da temporada fértil.
Tomada pelo consumo, sigo para o lado da prateleira onde estão organizadas as latas. Olho, primeiro o nome das marcas, os preços, a validade, a bula. Sardinha com óleo de soja, com molho de tomate, sardinha com óleo vegetal, com óleo de girassol. Mais destacava, em todas: ricas em ômega três.
Eram tantas marcas com seus predicados, que tive que me abaixar, para o térreo da prateleira.
Foi neste exato momento que percebi, o moço repositor, parado bem ao lado. Prosseguir com a minha pesquisa quando olhando fixamente para uma das latas, visualizo o símbolo que identifica alimentos trangênicos.
- Trangênico, até na sardinha? Falei em voz alta, assustada.
Foi aí que o repositor interagiu:
- Tá tudo contaminado.
- Verdade. Respondi.
Iniciamos um breve diálogo a respeito dos alimentos e este voluntariamente, ajudou-me a escolher um produto que não tivesse a marca do triângulo amarelo.
- Veja este! Ele disse e me entregou a lata
Peguei e iniciei a vistoria. Escute, disse, olhando para o rapaz e começei a ler, teatralizando:
- Atenção: para os alérgicos contém peixe e derivados de soja.
Assim que terminei a leitura do breve texto impresso na lata de sardinha, o moço repositor, falou:
- Você é a mulher do programa de rádio aos domingos?
- Era. Não tem mais. Como você descobriu?
- Pela voz.
- Você gostava?
- Gostava, não, amava. Muito bom.
Prevendo a nostalgia, interrompi o tema Alacazum. Bem parecido aos cortes de entrevistas radiofônicas mal editadas.
- Vou levar esta mesma. Não tem o símbolo, mais tem derivados da soja, que também é trangênico. Não tem tu, vai tu, mesmo.
Ele sorriu, voltou o corpo e a atenção para as prateleiras. Estava em serviço.
Até caminhar para o caixa eu ainda guardava a vontade de comer sardinhas enlatadas com farinha. Do Alacazum, ficou a paisagem do repositor de supermercado, que um dia, sintonizou o rádio e escutou. Escutou e fixou, convertendo em memória. Por que é muito mais fácil, gravar os personagens dos programas televisivos, pelo efeito marcante das imagens do que um programa radiofônico através da voz. O Alacazum, foi uma voz no rádio, que fez morada em muitos corações.

 
Valença, Bahia, 15 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 18 de maio de 2017


Manhã chuvosa de outono.
Quinta-feira, 18 de maio de 2017.
Saio de casa, motorizada.
Chegando no cruzamento da terceira travessa Oldack Nascimento com a rua vereador Marciano da Silva Menezes, a motocicleta, tosse. Esse sintoma, é familiar. Adverte-me que é preciso abastecer.
Visualizo o medidor embaçado. Reserva. Assinala.
Dobro a direita, sentido avenida Aurelino Novais ou avenida Dendezeiros, buscando o posto de abastecimento mais próximo.
Sou recepcionada por um amigo, que além de frentista, vende doces e salgados na praia. Comunicativo, alegre, festivo, otimista, trabalhador, empreendedor, pessoa do bem. Gosto de conversar com ele nas horas vagas. Aprendo sempre com suas histórias de vida. Além da saudação em forma de sorriso, ele foi logo dizendo assim que me viu:
- E Michel?
Para um bom entendedor um nome basta. Ele não me perguntava sobre o meu amigo advogado, nem sobre o documentário da Violeta Martinez, nem o amigo de infância dos meus filhos, quando viviam no bairro da graça.
Este cidadão, estava provocando o diálogo para as questões políticas do Brasil.
Foi aí que lembrei da quarta-feira.
Por incrível que pareça não assistir nenhum noticiário naquele dia. Precisei viajar. Fiquei, por assim dizer, desconectada.
O amigo, frentista estava preocupado, apreensivo. Creio que todos os brasileiros neste momento, estão tensos. Por que os tempos são outros quinhentos. Não existe mais os desinteressados por política ou que este assunto, é reservado aos políticos partidários.
Quando, naquele fatídico dia, o senado, abriu suas portas, para a transmissão televisiva, do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, naquele momento, desanuviou os olhos de todos os cidadão, para a questão da tremenda besteira que fizemos durante todos estes anos de eleições, sem acompanhar de perto as ações dos legalmente eleitos.
Enquanto aguardava o abastecimento da motocicleta, particularisamos informações, em pedaços. Eu e meu amigo. Alí não era hora para uma conversa tão delicada.
Sempre sorridente e educado, desejou-me bom dia. E na saída, despretenciosamente, eu disse:
- O que salva nisso tudo, são os seus sonhos! Referindo-me tanto aos doces que ele vende na praia quanto aos anseios de melhora de vida, investidos diariamente em seu trabalho.
Ele acenou para mim como entendendo. Seja qual for o sentido de compreensão absorvido por ele, o que importa é que sonhos, diferente de formas, sabores, interpretações, aspectos físicos, são sempre sonhos. 



Valença, Bahia, 18 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 17 de maio de 2017


No dia justo em que escolhi para escrever o tema: delicadezas e indelicadezas, acontece no local de trabalho da Pizzaria Os Martinez, um fato interessante que contextualizou perfeitamente os temas.
Eram seis pessoas que chegavam. Um casal, duas moças, um rapaz e uma criança. Aparentemente, membros de uma mesma família. Pela maneira como se comportavam, sem entrosamento com o ambiente, avaliei que fosse a primeira vez que nos visitavam. Aproximei-me para recebê-los. Mostro-lhes, as cadeiras, para que se acomodem.
- Não paga nada para sentar e ler o cardápio!
Eles aceitaram a sugestão.
- Qualquer dúvida, pode perguntar!
Afasto-me, sem contudo, deixar de observá-los. Olhares de curiosidade pelo ambiente, um tempinho maior sobre os quadros distribuidos nas paredes. Riem ao mesmo tempo que cochicham. O homem mais velho, acena para mim. Vou atendê-lo.
- Quantos pedaços tem a pizza família?
- Doze fatias! Respondo.
Confirmam que querem uma pizza deste tamanho e escolhem os sabores. Enquanto escrevo, observo que uma das moças, olha fixamente para mim. É uma mocinha, franzina, rosto alongado, olhos redondos e negros, cabelos crespos. Estava muito bem maquiada, vestido de festa e tacos altos. Os demais também me olhavam com curiosidade mais esquivavam os olhos quando eu os encarava. Peço licença, para ir a cozinha levar o pedido. Quando retorno ao meu posto, percebo que a mulher mais velha, acenava para mim.
- Posso fazer uma pergunta a senhora?
- Sim. Diga.
- A senhora é gringa?
- Não. Sou brasileira, baiana, valenciana. Respondi
- Parece uma artista! Complementou o homem mais velho.
- E esses quadros parece japonês! Disse o rapazinho.
Referia-se aos trabalhos de pintura de Horacio Martinez. A conversa estava tão interessante, que pedir licença para sentar no banco junto com eles e pus-me a observar mais amiúde o rosto de cada um, até alcançar a moça, muito elegante que continuava a me encarar com curiosidade. Pela insistência do olhar, pareceu-me familiar o rosto.
- Eu te conheço de algum lugar?
- Do Supermercado xis. Trabalho lá. A senhora, sempre que vai, me dá bom dia!
Realmente, tenho costume de saudar as atendentes dos caixas quando vou a qualquer supermercado. Sempre pratico gentilezas quando posso.
- Foi por isso, que você veio?
A adolescente, balançou a cabeça afirmativamente Pensei nas delicadezas e indelicadezas que escrevi na noite passada e que se confirmava com esta cena.
Enquanto distribuia os pratos na mesa, conversavamos. Agora, mais descontraídos e confiantes, se atreviam a fazer gracejos.
- Como é mesmo o nome da senhora? Indagou o homem.
- Celeste Martinez. Respondi.
- Eu te vi no Jornal. Disse um.
- Não, foi na televisão! Retrucou o outro.
- Ela é a mulher do rádio. Complementou a senhora, sorridente.
Nada acrescentei ou corrigi. Deixei que pensassem o que quissessem.
Após servir a pizza, perguntei se permitiam que eu fizesse um registro fotográfico. Disseram que sim.
Quando perguntados o que queriam que eu escrevesse na legenda, a mocinha, pediu o celular e escreveu: A Família Sousa, visita a Pizzaria Os Martinez.
Ficaram satisfeitos com a pizza, com o atendimento e com a conversa. Na hora de ir embora, fizeram questão de abraçar-me. Foi quando eu socializei sobre as delicadezas e indelicadezas que escrevi e falei do profeta Gentileza.
-Quem? Perguntou a mocinha, curiosa.
E eu: da próxima vez, eu conto a história.
Sairam. Foram. Partiram para dentro da cidade, onde pessoas são conhecidas por seus afazeres e não por sua sensibilidade em acolher delicadezas.

 
Valença, Bahia, 8 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 16 de maio de 2017


Descia a ladeira do porto ou rua Governador Gonçalves, em Valença, Bahia, quando bem em frente, vindo em minha direção, encontro amiga. Se não fosse os anos de amizade eu certamente não a reconheceria. Antes, vestia-se o mais simples possível. Posso dizer com toda certeza que ao estilo minimalista. Sem vaidades excessivas. Agora, até o cabelo, é notado por seu volume e brilho. No rosto, sobrancelhas feitas, batom nos lábios, brincos nas orelhas. No pescoço, correntes finas com pingentes. Inevitável não observar a mudança. E para melhor. Notava-se em sua fisionomia a felicidade. E não foi, com toda certeza uma mudança exigida, por outras pessoas que implicam em querer modificar as outras ou modelar segundo os seus anceios. Esta minha amiga, já tem uma certa idade e nunca ligou para o que as pessoas falam.
- Como você está bonita! Disse-lhe.
- É ?
- Sim, completamente mudada.
- Todo mundo tá dizendo!
O “ todo mundo “ desta minha amiga, resume-se a sua família e a Igreja. As amizades que fez durante os tempos na fábrica, ainda conserva, mas depois da viúvez e da aposentadoria, o círculo se restringiu. Todas as vezes, anteriores que nos encontravámos, o tema girava em torno do único filho e do neto querido. Entretanto naquela travessia da ladeira do porto, onde o vento, corre mais brincalhão, despenteando os cabelos da gente e levantando as saias e vestidos das mulheres, a amiga só tinha conteúdo para falar da vida. Eu que não intensionava bisbilhotar a sua intimidade, contive-me em perguntar o que tem feito ultimamente.
- Viajado. Foi a resposta.
Falava dela e dos lugares que sempre almejava conhecer mais não se animava. Em suas palavras havia uma emoção parecida a um contentamento que duraria a vida inteira. Como a conquista de uma chave especial que abre todas as portas e janelas e não dificulta o ir das pessoas, o caminhar por terras, até pouco tempo distantes e inatíngiveis.
A amiga, falava dessa tal felicidade. Era real. Estava diante de mim uma mulher , mais de cinquenta, que trocara uma indumentária cinza por adereços e cosméticos. Cuidava mais de si. Amava-se.
Que motivo faz uma pessoa solitária, despertar em desfrutar a vida novamente, como na fase áurea da mocidade?



Valença, 9 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez


Publicado no Facebook dia 15 de maio de 2017


Eu, na Pizzaria Os Martinez, quando entra aquele freguês que gosta de conversar. Vez ou outra nos visita, somente com o pretexto do bate-papo comigo. Bebe uma cerveja, come uma pizza e dispara a contar casos. Eu, amo, escutar histórias. Através delas elaboro outras mais mirabolantes.
Nesta noite, após fazer o pedido, foi logo dizendo:
- Hoje, eu não quero conversa. Já me contaram que você anota tudo para escrever.
- As crônicas? Perguntei.
Mais ele não respondeu.
Eu, sair à francesa, deixando-o só em sua mesa, desfrutando tranquilamente a deliciosa pizza.
Do balção eu o observava e ria silenciosamente.
Não sabia que ele estava plugado e tinha contatos de quarto grau.
Um tiquinho de histórias cotidianas que venho contando e publicando sem nenhuma pretensão e já provoca este reboliço na cidade?
Que medo é esse?
Medo , medo, seria Cuíca de Santo Amaro.
Aí sim, você ia ver o que era bom pra tosse!




Valença, Bahia, 15 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 14 de maio de 2017


Novamente encontro com ex-colega de infância dos tempos de escola. Só que desta vez não lembrei nem o nome e nem o sobrenome. Se tem uma coisa que me deixa chateada é esquecer com quem estou conversando. Este, se aproximava com intuito de conversar.
Acionei o compartimento das ações urgentes:
Qual o nome dele?
Pela marcha dos passos e pelo sorriso estampado no rosto, demonstrava apreço por minha pessoa. Chegou, já me chamando pelo nome. Um calabrio passou pelo meu estômago.
E aí camarada cérebro, qual o nome da pessoa?
Nada da cachola responder.
Sim, eu o conhecia. Sabia onde morava, o nome da sua mãe, irmãos. E pelas características físicas: branco, olhos azuis, rosto alongado, cabelos castanhos claros, acercava um semblante famíliar dos tempos de escola.
E o nome, cadê?
Nada.
Empolgado com a conversa, falou-me do seu cotidiano: estava empreendendo. A partir daí os temas variaram: economia, política, relação patrão versus empregado/empregada, religião, a conquista do lugar ao sol e principalmente, com o suor do rosto, quem nem manda a Bíblia, ele disse. Fez questão de dizer que veio da base. Que tudo que sua família conquistou até hoje, foi fruto do trabalho honesto. Quando falava, sentia-se uma satisfação e conforto, segurança e veracidade fruto da vivência.
Rapidamente atravessou-me na mente, ex- colegas, dessa mesma época que ainda hoje encontro na cidade de Valença Bahia e realmente, todos, têem uma realização econômica confortável dentro de suas profissões, preservando a ética e a moral.
Os tempos eram outros?
Não sei.
Quando no trecho que falava sobre sua condição financeira, disse:
- Todos na escola, pensavam que eu era rico.
- Por quê? Indaguei com curiosidade.
- Pelo cabelo tipo playboy, você não lembra?
Até aquele momento, não lembrava nem do nome, nem sobrenome, muito menos do cabelo. Ele prosseguiu:
- Meu cabelo era loiro, comprido. E eu, branco e de olhos azuis. Deu uma paradinha e sorriu.
Não precisava de mais detalhes na complementação do esteriótipo. Lembro muito bem de cada uma destas vertentes: racismo, xenofobia, intolerância religiosa, etc. Inclusive, eu sou vítima, dessas generalizações, devido ao meu jeito de vestir. Muitas oportunidades de emprego perdi por causa deste detalhe. Detalhe?
A velha história da igualdade, descrita no capítulo I , artigo quinto da Carta Magna Brasileira, uma falácia.
O meu amigo, ex-colega de infância dos tempos escolares, estava animado com a conversa todavia para mim, ele continuava, naquele instante, uma incógnita. Eu não lembrava o nome dele. Começei a ficar aflita. Mais o amigo, prosseguia:
- E sabe por que eu não cortava o cabelo? Não tinha dinheiro.
Gente, você não imagina o impacto que me causou ao escutar esta simples frase.
O cara, era pobre que nem eu.
Entenda-se que naquele tempo, nas escolas públicas, conviviam pobres e ricos.
Os ricos, daquele nosso tempo, eram pessoas identificáveis na sociedade: era o filho do dentista, do médico, do advogado, do exportador de cacau e cravo-da-índia.
Eu não lembrava se eu o considerava rico naquela época, por que até aquele instante não recordava seu nome ou sobrenome.
E isso me fez ponderar sobre a Lei de cotas nas universidades públicas, no Brasil, que muita gente critica.
“ O objetivo das cotas é corrigir injustiças históricas provocadas pela escravidão na sociedade brasileira”.
E a pobreza?
Lembro que fiz uma enquete cuja pergunta foi a seguinte: qual a mais difícil travessia: a pobreza ou velhice?
Noventa por cento dos participantes, responderam a pobreza.
A pobreza tem raízes históricas tanto quanto a escravidão. Veja o caso do meu amigo: Branco, loiro, de olhos azuis e pobre.
Mais todos pensavam que ele era rico.
E se o meu amigo fosse preto e pobre?
Será que pensaríamos que ele era rico?
O amigo e ex-colega de escola, nada sabia destas minhas elaborações mentais, ele continuava a falar de sua vida, com entusiasmo. Era para mim que ele relatava os fatos. Sentia-se confiante. E eu o escutava prestando atenção em cada palavra. Despedimo-nos. Ele pegou a via Conselheiro Zacarias e eu a Oldack Nascimento. Na saída, ainda disse:
- Tchau, Celeste Martinez!
E eu?
“ Ora (direis ) ouvir estrelas”.
Sim, todavia, não lembrava o nome dele, entretanto, enquanto caminhava , recordava o personagem Raskólnikov.
Vá entender a mente.
Valença, Bahia, 14 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 13 de maio de 2017

Para o irmão, Jósenildo Ferreira


Questão de minutos após ter postado a minha crônica na página virtual do facebook, recebo notificação em forma de comentário do meu irmão Jósenildo Ferreira.
- Esse seu amigo, só pode ser Goy, do finado, Maçú.
Sim, ele foi certeiro em sua análise. No texto, eu relatava um acontecimento no supermercado que envolvia um conterrâneo da Gamboa – sem contudo citar o nome – um detalhe no entanto dentro da narrativa ou seja uma palavra, foi suficiente para romper o anonimato. A palavra : adorooo!
Primeiro, pensei em ocultá-la depois optei em declará-la, com intuito de uma homenagem a este amigo. Tinha certeza, que qualquer pessoa que o conhecesse, saberia. Dito e feito.
Iniciamos diálogo na janela do messenger e indaguei do irmão que critério teve ele para identificar o protagonista da história.
- A palavra: adoroooo! É a única dele.
Confirmava a minha intenção e senti-me bastante satisfeita com o exercício diário. Quanto mais escrevo mais habilidade em brincar, tal jogo de xadrez.
- Gosto muito das suas crônicas.
- Mais tem gente, que está fugindo de mim para não virar crônica. Falei.
- É bom virar crônica.
- Por quê?
- Por que está sempre na mídia.
Curioso como meu irmão, avaliza o conteúdo dos meus textos e a embalagem onde eu os deposito. Ele sabe, seja intuitivamente ou prática na leitura que meus textos são autênticos e mapeam situações cotidianas de uma cidade, quiçá de um território. Logo em seguida, ele diz:
- As suas crônicas são saudáveis.
Enche-me de entusiasmo saber que meus escritos energiza a alma de alguém em um contexto onde o jornalismo só tem trabalhado para denegrir a imagem das pessoas. Quando as minhas crônicas ganharem corpo de um livro, espero que possa fazer parte da cesta básica do brasileiro, como idealizou Wally Salomão.
- As suas crônicas está virando crônica.
Quanto dinamismo e criatividade na fala do meu irmão. Eu não conhecia este seu lado poético e humorístico. Como foi bom ter iniciado esta secção de crônicas diárias. Só assim tive a oportunidade de ler seus comentários e travar breve bate papo.
- Cuidado, que você pode virar crônica! Disse-lhe
- Claro que seria bom! Ele respondeu.
E se impolgou em relembrar algumas já publicadas. À medida que falava, nomeava-as conforme seu entedimento:
“ Aquela que você fez da ex-colega; Essa de Goy”
Eu não intitulei nenhuma crônica entretanto meu irmão fazia isso com a maior naturalidade, em uma identificação literária. Quanta felicidade ele me ofertava, despretenciosamente. Assim, minhas crônicas, à medida que são lidas, ganham dinamismo, novas leituras e incorporam-se em novos relatos.
- Só pelo fato de estar neste momento dialogando com você, mano, já valeu ter iniciado este exercício. E ele:
- Eu só presto atenção no que me acrescenta.
Fiz questão de tonificar a frase tal eco na caverna. As minhas crônicas são saudáveis e acrescentam no sentido de melhorar a vida das pessoas. As minhas crônicas, são alimentos. São palavras para entreter e através delas, o Alacazum, vive.
Valença, Bahia, 13 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

 Publicado no Facebook dia 12 de maio de 2017


Sexta-feira, avenida Alisson Magalhães de Freitas, na cidade de Valença Bahia. Estaciono devidamente, em frente a estabelecimento comercial, a minha motocicleta, marca Kasinski 50 cilindradas. Vou às compras. De repente um automóvel, marca Ford Sedan 2017, expressamente avantajado em sua forma e volume, para ao lado da minha moto, ultrapassando a faixa de estacionamento permitido e ocupando uma parte da rua transitável para os veículos.
Uma mulher, vestida com trajes de acadêmia, saí, mãos dadas com uma criança. Segue pela calçada descontraidamente.
Imediato dois homens aproximam-se de mim e pede para que eu retire a minha moto por que eles vão descarregar o caminhão. Esclareço que tenho direito a vaga e não estou atrapalhando, ao contrário do carro alí parado. Poderia facilitar um pouco chegando a moto, desde que aquele carro também saisse. Eles nada disseram e retiram-se. Enquanto isso o caminhão congestionava a rua. Era visível a fila que se formava.
Enquanto a mulher, proprietária do veículo de luxo não chegava, os homens do caminhão, começaram a descarregar sacos e sacos de farinha. A tensão aumenta, pois escuta-se buzinaços e xingatórios, obrigando o caminhão a descongestionar a via pública, seguindo mais adiante, até a esquina entre a avenida Alisson Magalhães de Freitas e a rua Jaime Guimarães.
Até o momento, nada da mulher chegar, muito menos eu entro para fazer as compras. Quando felizmente, a proprietária do veículo, aproxima-se e sai, eu, sem precisar que ninguém me diga o que fazer, comprimo a motocicleta entre outros com intuito de deixar o caminhão estacionar devidamente para a descarga.
Enquanto entro no estabelecimento comercial, analiso o acontecimento. Como as relações de poder que envolvem as nossas vidas, modificam o nosso modo de raciocínio. Foi mais fácil para os trabalhadores exigirem de mim que cedesse a vaga do que reclamar com a mulher. E eu estava no meu direito e devidamente estacionada.

Valença, Bahia 12 de maio de 20117 Celeste Martinez

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-6

- E aí, minha conterrânea!?
O supermercado lotadíssimo e ele gritou-me proferindo esta simples frase para que todos ouvissem, quebrando as regras de etiquetas vigentes. Eu o saudei, acenando, enquanto me organizava na fila do caixa que dizia até no máximo 10 ítens. Ele aproximou-se. Carregava dois capacetes, em uma das mãos e na outra uma sacola plástica, deste tamanho, contendo carne vermelha. Estava tão pesado, que seu corpo inclinava para o lado. Baixinho, semi desprovido de cabelos, amigo dos tempos em que vivia na Gamboa do Morro Cairu Bahia. Sempre foi muito alegre e festivo. Todos que o conhecem gostam dele. Trabalhou desde cedo na comercialização de mariscos. Chegou a ter peixaria em Valença. Formou família e descasou. Agora vive, como ele mesmo diz: Nas cachaças. Curte uma pinga no pé do balção. É dele a expressão: Adorooooooo!
- E a Gamboa, continua linda? Perguntei-lhe.
- Agora eu sou visitante. Muita gente daquele nosso tempo já se foi. Não conheço mais ninguém. Disse e seu rosto se expressou com tristeza.
- Visitante nativo. Acrescentei.
- E você, quantos anos que saiu de lá? Perguntou-me
Calculei momentaneamente uns trinta anos. E ele:
- Eu tenho quarenta anos de Valença.
A fila emperrara e ele impaciente, devido ao peso que carregava, de repente olhando para trás, disse:
- Venha, cá, Bié!
Um ancião, franzino, com chapéu de vaqueiro, sandálias de tiras e roupas surradas, aproximou-se, bem, bem lentamente. Olhei para o homem e pareceu-me conhecido. Perguntei:
- Ele é da Gamboa?
- Não. É daqui de Valença, da rua da Triana. Meu companheiro das cachaças. Tá vendo aqui? E desviou os olhos para a sacola de carne que segurava em uma das mãos. É dele! Tô fazendo um favor. Até disse, que levava ele de moto. Ele é que não quer.
Falava em um volume de voz que excedia os cinquenta decibéis permitidos. Todos os olhares em nossa direção e alguns sorrisos.
De repente, umas quatros pessoas que estavam posicionadas em minha frente, optaram por dar passagem a este meu amigo, com uma sacola, deste tamanho, cheia de carne. O senhor o acompanhava, arrastando os pés e olhando para o chão com medo de cair.
- Tchau, minha amiga! Ele disse.
Só balancei a cabeça e esbocei um sorriso. Naquele momento, por minha mente passavam vários capítulos da infância em Gamboa. E me transportei para a rua de cima, lugar onde este meu amigo morava.
Enxerguei o campo da bola, a discoteca de Cabinho, aquele homem magrinho com andar compassado, chamado Zezinho Galo, a pequenina delegacia de polícia, Baco, Alfonso, o prédio escolar bem em frente a praia, a casa de Paizinho ( o músico) Tita, Norma, Dona D' Hora, Nilena ( e seu amor exarcebado aos filhos e filhas ), professor Júlio com sua elegância e cordialidade ( ainda escuto o tom grave da sua voz ) professora Lilita, sempre muito educada, prestativa e severa, a sorveteria de... como era mesmo o nome daquela senhora?
Ah! Gamboa, quanta saudade!

Valença 10 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-5

Eu, novamente na coluna vertebral do Calçadão, na cidade, de Valença, Bahia, quando alguém gritou meu nome:
- Celeste!
Seguia tão apressada que não notei a conhecida ex-colega de infância. Respondi-lhe pronunciando seu nome completo como no tempo de escola, em que emparelhados ordenadamente, um atrás do outro, religiosamente, a professora, fazia a chamada, pronunciado o nome e sobrenome.
A colega, imediato, entendeu acrescentando o nome de casada. Rimos. Descontraimos risos e mais risos.
- Ah! Tempo bom! Disse
E ela suspirou como quem aspira lembranças. Logo em seguida deixou escapar mais um nome de colega. Ao falar, ela acentuava a voz com aquele tom de citação. E eu a acompanhava na brincadeira, dizendo outro nome . Nos intervalos, sorrisos. Muitos.
- Lembra de fulano, filho do doutor xis, metido a gostosão?
-Não lembrava.
- Morava ali na rua das casas, número das portas”.
Novos sorrisos.
- E os intervalos para comprar o picolé de Magí?
- Ainda lembro o sabor chocolate!
Tinhamos muito a recordar se não fosse a rotina a lembrar as tarefas ainda por fazer. A colega insinuou a direção que tomaria e prosseguiu. Seguimos juntos uns cem metros até tomar rumos diferentes. Um curto tchau selou o fim dos sorrisos, das lembranças. E a infância, mais uma vez voltou a trancafiar-se dentro da gente.

Valença, Bahia, 5 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Na Pizzaria, trabalhando, quando o telefone, toca.
- Pizzaria, Os Martinez, boa noite!
Do outro lado, voz feminina, lânguida, fininha, delicada, longínqua, se identifica dizendo o nome.
- Quem?
E a voz, terna, tranquila, repete.
Eu, congestionada a audição, pelos longos dias acumulados da minha existência, tenho dificuldade em decifrar a palavra.
Tenho vergonha, no entanto, em perguntar novamente e me calo por nanos segundos. Tempo suficiente para a pessoa, bastante perspicaz, perceber meu embaraçamento. Sou fulana, ela diz, amiga de sicrana. Esta pista foi suficiente para decifrar o enigma da voz e consequente vislumbrar o rosto da pessoa que falava comigo naquele instante.
- Ah! Como vai? Desculpe-me, estou ficando surda!
Do outro lado da linha, escuto gargalhadas.
- O que deseja? Pergunto.
Mais antes que a pessoa responda, uma outra, insiste em falar:
- Tenho lido as suas crônicas!
Para mim, foi surpresa saber que esta, lia meus textos. Na página virtual do facebook onde publico, não vi nenhum sinal de curtição ou comentários. Várias pessoas, lêem, sem contudo expressar publicamente, pensei.
Atenta, de que alí é um estabelecimento comercial e de que eu tenho que ser rápida no atendimento para não congestionar a linha telefônica, detenho-me no assunto da pizza.
- O que você deseja ?
Acontece que a segunda pessoa, do outro lado da linha, muito sorridente, insiste no assunto e impede momentaneamente a realização do pedido.
- Olhe, eu estou fugindo de você na rua para não virar crônica!
Não sou de rir mais esta frase e o modo como a pessoa falou, fez explodir dentro de mim um sentimento de bem-aventurança. Sorrir gargalhadas. Elas também.
- Já virou! Eu disse.
Desta vez foi ela que não escutou e pediu para que eu repetisse:
- Diga a tua amiga que ela já virou crônica!
Novas gargalhadas, escuto. Ao mesmo tempo em que a pessoa que solicitava pizza repetia para a outra o que eu havia dito.
Fico feliz em saber que as minhas crônicas, têem provocado em muita gente curiosidade na leitura e apreciação geral. Agora o que eu nunca imaginei foi que causaria receio em algumas pessoas “para não virar crônica”.
O que isso significa?
Será que foi uma brincadeira desta minha amiga ou a preocupação é geral?
Se avexe não, viu?
Contrário aos contos do fantástico maravilhoso, em que sapos, viram príncipes, no mundo encantado Alacazum, nem todas as pessoas viram crônicas. Em meios à palavras que nomeam coisas e nomes próprios, existe as expressões matemáticas onde o uso de incógnitas, revela muito mais o sujeito.Finalizei a venda da pizza e um afetuoso e cordial boa noite, selou este momento descontraído no trabalho. Após desligar o telefone eu ainda esboçava no rosto, um largo sorriso de satisfação . O coração palpitava de alegria e ansiava por chegar em casa para rapidamente escrever mais uma crônica.
Mais intimamente matutava: O que estaria pensando a amiga neste instante?
Valença, Bahia, 9 de maio de 2017 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-3

Cruzamento entre as ruas Ruy Barbosa, Quintino Bocaiúva, Praça da República, na cidade de Valença Bahia.
Final de tarde.
Quando vi já estava o tumulto bem na esquina da sinaleira.
Como diz o velho ditado: peguei o bonde andando.
Valença, por mais que seja a maior cidade da costa do dendê continua a manter o tradicional costume interiorano de por qualquer coisa juntar gente para “espiar”.
Eu não tinha do que me furtar com a cena. Um carro Volkswagen Gol, semi-usado, com a frente estraçalhada, estacionado enviezado na via pública antes da faixa de pedestre e um outro carro da Nissan Pic up 4 x4 logo atrás, também parado.
Um homem, exaltado, aos berros, dirigia insultos a um garoto, magrinho, pálido e assustado. O menino tentava acalmar o homem que não queria escutar. O tempo inteiro falava que ia chamar a polícia. Pela forma como se expressava, parecia ser uma autoridade. Exigiu que o menino, descesse do automóvel e este obedeceu. Tremia de medo.
Parei.
Iniciei minha elaboração mental sobre o fato alí apresentado. Escutei as palavras sussuradas de alguns encostados nas paredes e outros que diziam que não queriam se “meter”. Evidente que se tratava de um acidente.
Só um detalhe não se ajustava ao fato: o carro danificado estava parado em frente ao que aparentemente era o culpado. Pela lógica da via pública, alí naquele trecho da cidade é contra-mão quem vem da Quintino Bocaiúva, sentido Teixeira de Freitas.
Entretanto o mais exaltado, era justamente o homem do carro que estava destroçado e parado neste sentido.
Intrigante.
Possa ser que o cidadão, que teve o seu automóvel danificado, percebendo que o motorista do outro veículo era um garoto sem carteira de habilitação, tenha se aproveitado da situação para tirar vantagem. Uma tese mirabolante eu articulava.
A esta altura o trânsito congestionou por que justo o homem que bradava contra o menino parou para discutir no meio da rua.
Aliado a isso os dois carros estavam imobilizados.
Evidente que o fato poderia me render uma bela crônica cotidiana mas... o que eu poderia escrever diante de um fato pela metade?
Lembrei de certa ocasião em Buenos Aires, Argentina, quando saía da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, UBA, seguindo entre as ruas Puán e avenida Rivadavia quando presenciei um reboliço com presença da polícia e nenhum transeunte parava para bisbilhotar. Contrário, apressavam ainda mais os passos.
Só depois fui saber que na Argentina qualquer pessoa que se aproximasse poderia servir de testemunha. Por isso o distanciamento.
Observar cenas como esta, podem me render belos textos entretanto naquele momento estava indo resolver assuntos técnicos da pizzaria, não podia ficar por mais tempo alí para saber o desfecho do acontecimento. Sair. Nem olhei para trás para não ser arrastada pela curiosidade. Quando retornei, passando pelo mesmo local, todos os elementos representantes daquela cena, desapareceram, ficando apenas a rua, discreta, calada.
Valença, Bahia, 4 de maio de 20117 Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-2

Quarta-feira, chuvosa, dia 3 de maio de 2017, sigo para a Caixa Econômica Federal, localizada à rua Governador Gonçalves, no Calçadão da cidade de Valença Bahia.
É a primeira vez que vou a este estabelecimento bancário para efetuar pagamento de documento direto no caixa. Após organizar os objetos metálicos no compartimento, adentro pela porta eletrônica. O banco estava lotado. Quase todas as cadeiras preenchidas. Encontro conhecido e peço ajuda. Este me indica que devo, primeiro, pegar senha e fez questão de acompanhar-me até o local. Retorno deixando os mesmos objetos no compartimento e saindo por outra porta. A menina me entrega a senha de número 63 . Retorno. Uma cadeira disponível. Sento. Pergunto a mulher ao lado como funciona e esta me explica que o segurança, era o responsável pela organização no atendimento. Ele chamaria meu número no devido momento.
Acomodei-me e imediato lembrei do exercício mais prazeroso para mim nestes locais de espera. O livro. Abro a minha bolsa e só encontro cadernos.
Cadê a caneta?
Nada.
Havia esquecido.
Nem um toco de lápis.
A angustia tomou conta de mim. Nem tico nem teco. Respiro fundo. Por algum motivo eu estava alí.
Começo a inspecionar o local. Vislumbrar rostos conhecidos. Eis a professora xis, que maleavelmente se locomovia, buscando acomodação. Dirigiu-se aos quatro assentos preferenciais. Apenas uma vaga. Sentou-se. Pus a analisar a atitude da professora em ter ocupado uma das cadeiras. Esta não tinha nenhuma limitação em locomoção, não era idosa, nem obesa, nem estava grávida. Levanto-me para ler a informação impressa na capa que envolvia os assentos. Estava lá, escrito: Ausentes pessoas nestas condições, o uso é livre. Penso: Quantas vezes formulamos teses sem fundamentos? Quantas vezes nos precipitamos nos julgamentos? Apenas uma iniciativa de investigar os fatos, garante a fiel notícia. O mesmo acontece com os pseudo-jornalistas, que preocupados em quantificar audiência, esquecem de elucidar os fatos antes de divulgar nas mídias, intensificando a violência.
De repente em minha frente, o sobrinho Anderson, sentado em uma das cadeiras, com os olhos petrificados no segurança do banco. Aguardava sua vez. Não notou minha presença. Continuei garimpando informações. Já articulava uma crônica. No íntimo, ainda estava decepcionada comigo mesma por ter esquecido a caneta. Tinha certeza que muitos detalhes eu não reteria na mente. Abrir a bolsa novamente, pego o celular.
Pra quê?
Não tenho costume de Whatsapp, tão pouco Instagram.
E acontece o inusitável, na tela vejo a palavra: bloco de notas.
Eureka, como diria , Arquimedes de Siracusa, achei a solução.
E alí mesmo, pus-me a desvendar como se utilizava este recurso. Anotei alguns pontos que serviriam para a escrita.
Quantas vezes deixamos passar oportunidades de aprendizagens?
Inúmeras.
A alegria, saltita.
- 47! Grita o guarda.
Sessenta e três menos quarenta e sete, calculo mentalmente. Falta dezesseis. Não é muito.
A senhora ao meu lado, levanta-se para ser atendida. O lugar é ocupado por outro professor, que me sauda. Levanto-me para falar com o sobrinho que vinha com fisionomia triste. Pergunto o que aconteceu e ele diz que teria que retornar ao banco outro dia. Partiu. Outro conhecido, no mesmo instante fala comigo e inicia o relato de que é assim mesmo. Permaneci em pé dialogando com ele.
-56! Bradou novamente o guardião do banco.
Aproximava-se a minha vez. Olhei para as horas impressas no celular: Onze horas e cinquenta minutos. Calculo. Cheguei às dez e quarenta e um. Uma hora e onze minutos de espera. Lembro da lei dos quinze minutos. E novamente a matemática insiste em contabilizar o tempo.
Quantas pessoas foram atendidas desde a minha chegada?
Será assim que contabiliza o tempo na lei dos quinze minutos por pessoa?
- 62! Grita o guarda.
Posiciono-me bem a frente. Enfim sigo para o caixa. Entrego, à moça, os documentos a serem pagos. E esta, após avaliar, me diz:
- Falta o código. Sem este número não existe transação bancária. Vá falar com o seu contador. Depois volte aqui. Não precisa pegar fila.
Sair. Cronos marcava o caminho para as doze badaladas. Mesmo assim, caminhei até a rua General Labatut.
- Tem que procurar o órgão competente, fala a menina da Contabilidade. E indicou-me a direção.
- Agora, já não atende. Só às quatorze horas. Ela disse.
Segui para casa. Teria ainda que fazer almoço.
Enquanto a tarde, ainda chuvosa, acenava para mim, eu analisava o ocorrido. Para alguns, um dia tedioso no banco. Tempo perdido. Eu, com mais de meio século de existência estou aprendendo a tirar proveito das desgraças e ter vantagem com o exercício da escrita. O jogo do contente que nos ensina Pollyanna de Eleanor H. Porter. A vida, é um campo aberto sem cancela, livre. Nós, é que marcamos as terras, impondo limites.
Valença, Bahia, 3 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-1

Crônica cotidiana de Celeste Martinez
Naquele final de tarde, após longas horas e em diferentes locais procurando rúcula sem encontrar, estava por desistir, quando em um daqueles vendedores ambulantes, posicionados à rua doutor Rocha Leal, na cidade de Valença, Bahia, encontrei tão procurada verdura. Ressaltando: verdinhas. Comprei três maços.
Quando adiantei os passos em direção à travessa homônimo, uma mulher - fisionomia de menina – também da economia informal, posicionada no passeio, bem na esquina, fez sinal com a mão em minha direção. Disse:
- Faz favor!
Fiquei na dúvida e para certificar-me olhei para os lados e para trás. Não tinha ninguém com intenção de falar com a mulher. Era comigo mesmo. Aproximei-me.
- Sim. Disse.
- É verdade, que o Alacazum acabou? Perguntou a mulher.
Confesso que fiquei surpresa, não com a pergunta, por que ultimamente, desde a saída do Alacazum do ar, o que mais tenho feito é dar explicação ao povo. O que me impressionou foi a jovezinha, trabalhadora, com cara de menina, franzina, desconhecida até aquele momento, com sua vozinha fina e delicada, me chamar para saber o paradeiro do Alacazum. Quando lhe confirmei, proferindo a palavra sim, que era verdade que o Alacazum estava fora do ar, esta confirmação, não teve a mesma tonalidade de perda, das anteriores respostas que havia dito no decorrer destes três meses. Contrário, encheu-me de alegria por saber que o Alacazum está despertando saudade em muita gente.
Podem calar o Alacazum, impedindo sua propagação através das ondas eletromagnéticas, mais não conseguirão trancafiar a voz de cada cidadão que teve a oportunidade de escutar por alguns minutos, algumas horas, alguns domingos e durante dez anos.
Ao ser questionda por mim a respeito do motivo da pergunta, disse:
- Quem me disse foi um amigo que vende caranguejos aqui. Ele também escutava.
- E você, me escutava?
- Sim. Até ganhei uma caixa de chocolate. Fui buscar na sua pizzaria.
- Qual o seu nome?
- Tatiane.
- De que bairro?
- Tento.
De repente me reconheço fazendo as mesmas perguntas quando estava no rádio enquanto falava com os ouvintes-leitores, via telefone. Uma estranha felicidade abraçou-me. Aquela mulher, com cara de menina, que falava comigo ao mesmo tempo em que guardava suas mercadorias, tirou um tempinho para assuntos culturais. Naquele momento a mulher estava pensando nas palavras para entreter. E ela prosseguiu falando:
- Era bom por que fazia a gente pesquisar. As vezes eu acertava outras não. As vezes eu dizia e quando era no final a resposta era igual. Eu gostava.
- Eu também. Repetir descontraidamente.
Ela quis saber por que motivo de se tirar um programa tão bom. E novamente tive que repetir que fui eu que decidir sair por que não aceitei que o dono da rádio se intrometesse no conteúdo do Alacazum. A expressão dela foi:
- Ah! Seguido de um: Que pena!
E para conclusão de bate papo, fiz questão de cumprimentar-lhe com um aperto de mão e agradecer a gentileza e a sensibilidade da lembrança. Virei as costas e prosseguir. Mais creiam, que dentro de mim, uma paz se instalou e também uma certeza de que as sementes de amor que o Alacazum semeou em cada coração, está florindo. Se não temos mais a possibilidade de comunicação via rádio, algo novo, grandioso, surgirá. Por que nada é para sempre.

Valença, 3 de maio de 2017 Celeste Martinez