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domingo, 26 de julho de 2015

Lenda do Céu, de Mário de Andrade

Na 409° edição do programa radiofônico Alacazum palavras para entreter, apresentado pela escritora Celeste Martinez, no dia 28 de junho de 2015, das 8 às 9 h, transmissão ao vivo Rio Una FM 87,9. O tema versou sobre o trabalho discográfico: O menino poeta, produzido pelos estúdios Eldorado. Seleção de poemas musicados pelo regente, violonista e compositor brasileiro Antonio José Madureira e declamados pela atriz Irene Ravache e outros cantados por Solange Maria, Mirinha e Coral Infantil. Nesta edição foram selecionados os seguintes poemas: lenda do céu de Mário de Andrade; Enchente, de Jorge de Lima; e História para criança de Cassiano Ricardo.

Lenda do Céu

Andorinha… andorinha… andorinha voou…
Andorinha caiu… curumim carregou.

- Piá, não me maltrata não, que eu levo você pro mato,
enxergar bichos tamanhos e correr com os guanubis.
O menino brincava… andorinha sofria…
De um lado pra outro atordoada gemia.
- Piá, não me maltrata não, que eu levo você pro mar, ver as ondas, ver as praias, ver os peixinhos do mar.
O menino malvado machucava e já morre morrendo, a coitada falou:
- Piá… não me maltrata não, que eu levo você pro céu e nunca
ninguém não cansa de ver as coisas no céu, é um sítio bonito mesmo, beradiando o trem de ferro, lá você acha a sua gente, que faz muito que morreu, assegura em minhas penas, vamos embora com Deus.

Andorinha… andorinha… foi voando pro céu… curumim carregou.
- Assegura bem menino, não tem saudade do mundo, que o mundo é só perdição.
Avoou… avoou… afinal se chegou.
Andorinha desceu, curumim apeou,
Abriu os olhos e viu, era o céu… O boniteza… tinha espingarda, gangorra… estilingue, tanta surpresas que era mesmo um desperdício.
- Olha o cachorro jaguar… olha a ave siriema… olha as 3 Marias… da gente bolear andus, era que nem um pomar, com tanta fruta aromando que o ar ficava… que ficava… bonzinho de respirar.
O menino caminhava pelos postes da linha e lá pelo varjão se ouvia, de uma fordeca xispada, um abôio, tão chorado… que acuava no corpo doce, o sono do brasileiro.
Tinha mandioca e açaí, mate, cana, arroz, muita banana e feijão, milho, cacau, tinha até pra lá do cercado novo, cheio de taperebas um rancho do nosso povo com seu mastro de São João e no galpão um homem comprido de uma quente morenês com a pele bem sapecada pelo sol desse país, tocava uma sanfona, uma mazurca tão linda que se parava um bocado o ouvido cantava ainda.
O menino olhou pro homem e disse:

- Bastarde tio…

- Meu sobrinho… entra no rancho, nossa gente já está lá.

E o menino se rindo, matava a saudade do coração… tomava a benção da mãe… do pai… abraçava o irmão…
Afinal topou com o primo que era unha e carne com ele e comovidos os dois se deram as mãos e foram brincar pra sempre pelos pagos abençoados do meio-dia do céu.

No céu, é sempre meio-dia, não tem noite, não tem doença e nem outra malvadez; a gente vive brincando e não se morre outra vez.


Fonte do poema:
http://www.garoeiro.com.br/