quarta-feira, 4 de abril de 2012

O afago inesperado de Caroline de Farias Couto da Silva

Na 261° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 1 de abril de 2012, das 8 às 9 da manhã de domingo, cujo tema: Morris Albert, transmissão Rio Una FM 87,9 realizamos a leitura do texto: O afago inesperado de Caroline de Farias Couto da Silva, ganhadora das Olimpíadas da Língua Portuguesa no ano de 2010.

O afago inesperado

Estava sentada há horas no banco desconfortável da Praça da República, centro de Valença, pertinho da rua Deocleciano Gomes, onde moro. Nada me chamava atenção. Apenas o cansaço e o sono me tomavam. Três semanas de avaliações e trabalhos escolares esculpidos na minha postura encurvada e no meu olhar caído. De súbito, o som de buzinas me fez despertar para um engarrafamento que estava acontecendo na minha frente: nada incomum: uma fileira de carros de variadas cores e diversos modelos, novos e velhos, motoristas estressados e impacientes.
Já voltando a baixar o olhar, um garoto passa correndo em direção à rua. Passaria despercebido por mim, como tantos outros, jeito malandro, roupas velhas, pouco idade (entre oito e dez anos) e uma caixa que trazia nas mãos. Contudo, não foi assim desta vez. Minha curiosidade feminina foi aguçada e me fez observar o que faria ele indo em direção aos carros. Parou ao lado de um veículo prata e fez sinal para que abaixassem o vidro fumê. De imediato pensei que se tratasse de um assalto, mas logo desisti da ideia, pois havia muita gente no local e era apenas uma criança.
A realidade é que a infância está bem mais curta em nosso país, principalmente para os mais pobres. Na minha cidade esse triste fato pode ser fotografado nas ruas. Mais ainda custa admitir e aceitar isso. Bom, no carro, uma senhora aparentando mais ou menos sessenta anos, aparência cativadora e rosto bondoso, perguntou com tranquilidade o que ele desejava. O garoto abriu jeitosamente a caixa e mostrou-lhe. Curiosa me perguntei: O que há ali dentro? Estiquei-me um pouco e vi balas, jujubas e pirulitos. A senhora, como eu, fez uma expressão de agrado, deixando o garota animado. Entregou algumas moedas a ele, pegou umas balas e, num gesto amável, alisou os cabelos enrolados, curtos e pretos do menino. Neste momento, ele parecia estar no melhor de todos os lugares. Fui contagiada pro aquela sensação. Em seguida, ela fechou o vidro. O menino ainda estava parado e feliz quando foi despertado por uma garotinha, também com uma caixa na mão, que o impeliu a continuar o trabalho. Como saindo de um sonho, o menino seguiu para o próximo carro no qual havia uma jovem. Ao ver os doces, ela afirmou não ter dinheiro. Nesse momento a surpresa: Então você passa a mão na minha cabeça? perguntou o garoto.
A jovem ficou espantada. Novamente sons de buzinas. Ela deveria seguir, pois o semáforo deu passagem. A moça partiu. Foi-se também o menino. Ficou em mim a emoção e a consciência da carência afetiva dos meninos do lugar onde morro, meninos que apesar de trabalharem o dia inteiro sem garantia de dinheiro, não passam horas sentados, lamentando cansaço e sono como eu. Nesse dia aprendi que sou dramática.

Caroline de Farias Couto da Silva


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