segunda-feira, 28 de julho de 2014

O lobo caluniado

Na 361° edição do Alacazum Palavras Para Entreter, apresentação da escritora e locutora Celeste Martinez, que foi ao ar no dia 27 de julho de 2014 das 8 às 9 h, transmissão ao vivo 87,9  Rio Una FM, apreciamos a leitura: O lobo caluniado.

O lobo caluniado

A floresta era meu lugar. Eu morava lá e cuidava dela. Tentava mantê-la limpa e em ordem. Num dia ensolarado, enquanto estava retirando o lixo que um campista havia deixado, eu ouvi uns passos. Pulei atrás de uma árvore e vi uma menininha meio feia descendo o caminho e carregando uma cesta. Logo desconfiei dessa menininha porque estava vestida de maneira tão estranha - toda de vermelho e com a cabeça coberta de tal forma que parecia não querer que alguém soubesse quem era. Claro que parei para verificar quais eram suas intenções. Perguntei quem era, aonde ia, de onde vinha. Ela me contou uma história mal contada, de que ia para a casa da avó com uma cesta de comida. Parecia ser uma pessoa honesta, mas acontece que ela estava na minha floresta e, de fato, parecia meio suspeita com essa roupa estranha que vestia. Então, resolvi lhe dar uma lição para mostrar como era séria essa história de se pavonear pela floresta sem ser anunciada e vestida dessa maneira.
Deixei-a seguir seu caminho, mas logo corri na frente para chegar na casa de sua avó. Quando vi aquela velha senhora simpática, eu lhe expliquei meu problema e ela concordou que sua neta precisava aprender uma lição. Escondeu-se debaixo da cama, esperando que eu a chamasse quando fosse necessário.
Quando a menina chegou, eu a convidei para ir ao quarto onde eu estava. Eu estava na cama, vestido como sua avó. A menina entrou toda corada e disse alguma coisa malcriada sobre minhas grandes orelhas. Já havia sido insultado antes, tentei então aproveitar suas palavras, sugerindo que minhas grandes orelhas me ajudariam a ouvir melhor. O que eu quis dizer é que gostava dela e queria dar maior atenção ao que ela dizia. Mas, aí, ela fez mais uma gozação, dizendo que meus olhos eram esbugalhados. Agora, você pode entender o que eu estava começando a sentir por aquela menina. Com essa fachada tão bonita, ela escondia era uma pessoa muito desagradável. Mas resolvi lhe dizer que meus olhos grandes me ajudavam a vê-la melhor.
O insulto seguinte realmente me atingiu. Eu tenho um problema com esses meus dentes muito grandes. E essa menina fez uma malcriação a respeito deles. Sei que deveria me controlar, mas pulei da cama e rosnei dizendo que meus dentes me ajudariam a comê-la melhor.
Agora, vejam bem, nenhum lobo nunca comeria uma menininha, todo mundo sabe disso, mas essa menina maluca começou a correr pela casa gritando e eu correndo atrás dela tentando acalmá-la. Eu já tinha tirado a roupa da vovó, mas isso parecia piorar as coisas. Até que, de repente, a porta se abriu com um estrondo e um lenhador grandalhão estava lá de pé comseu machado. Eu o olhei e vi que estava em apuros. Havia uma janela aberta perto de mim e pulei fora.
Gostaria de dizer que esse foi o fim da história. Mas acontece que aquela vovó nunca contou o meu lado da história. Logo se espalhou o boato de que eu era um lobo mesquinho e chato. Todo mundo começou a se esquivar de mim. Não sei bem o que aconteceu com aquela menininha, mas eu não vivi feliz para sempre.

Lief Fearn. In " Direitos humanos no Brasil  conferências para educadores" São Paulo, Editora & Artes Gráficas, 1986

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