segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Crônica Cotidiana de Celeste Martinez

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Sexta-feira, 13 de outubro de 2017, 17:30. Após degustar a deliciosa pizza dos Martinez em companhia da neta Dindi, esta diz:
- Vó, vamos para a praça?
Seguimos pela rua Quintino Bocaiúva, caminho da Praça da República. Aproveito nesse instante para testar a minha competência enquanto avó. Em silêncio vou conduzindo-a até a faixa de pedestre e ela reconhece que somente ao sinal verde é que pode passar. Mantemos as mãos dadas e basta colocar os pés na praça para que ela, pergunte:
- Onde está os brinquedos?
- Não tem.
- Ó não! Foi a expressão de decepção acompanhada de um bater dos pés e cruzamento dos braços.
A neta tem a facilidade de afugentar dores com novas investidas, imediato avistou o pequeno espaço destinado aos sketistas e correu naquela direção, mobilizada principalmente pela presença de crianças.
Ficamos. Imediatamente pus-me a observar e constatar que a Praça da República é a mais frequentada e todavia não oferece nenhuma alternativa de diversão gratuita para esse público infantil.
A área reservada para os sketistas nas horas vagas, congrega crianças na faixa etária entre 2 a 7 anos de idade que re-adaptam as estruturas de cimento e ferro em novas investidas de diversão. Uma pequena inclinação encimentada serve como tobogã. É nessa barra de concreto que as criançinhas depositam suas energias imaginando-o brinquedo.
A neta, que vive em outro estado brasileiro, está acostumada a frequentar praças com instrumentos pedagógicos dos mais diversos.
No caso, da cidade de Valença, Bahia, não é exatamente uma praça que temos e sim jardins. A praça da República, antigamente era chamada “Jardim Novo” e a Praça Ademar Braga Guimarães, de “Jardim Velho” ou seja adotamos a nomeclatura de praça que não se adequa ao seu desenho arquitetônico.
Será que o remanejamento do nome foi para excluir a função de jardineiro?
Povoa em nosso imaginário uma ideia de praça metamorficas. A Praça da Independência, não tem árvores, bancos, grama, canteiros, etc , mesmo assim é considerada praça. A praça 2 de julho, se resume a um diminuto canteiro que nos meus tempos de menina, caminho à antiga Escola de Aplicação Anexa, abrigava um frondoso jambeiro. A praça Oliveira Brito, é um enorme galpão onde abriga barracas dos vendedores da economia informal.
Enquanto a neta se alegrava com tão pouco, eu, analisava a paisagem em volta. Praticamente aquele logradouro público era o ponto principal da cidade em termos de encontros. Alí estava o Teatro Municipal, abandonado, aguardando que o tempo lhe corrompa o corpo para em seu lugar ser erguido uma caixa de concreto. O conjunto de sobrados, pouco a pouco desintegrando-se sem quaquer interesse de seus donos em reativar sua fachada, sem consideração com o patrimônio arquitetônico da cidade todavia amparados pela Constituição Federal em seu artigo 5°
Direcionei o olhar em um ângulo de 360 graus em toda praça e avistei a fonte luminosa.
Luminosa?
Onde?
Notava-se sim, alguns tubos, expelindo jatos de água sem algum atrativo.
A neta perguntou se a água estava limpa por que lhe pareceu escuro o fundo. A praça é mal iluminada e sem cuidado. Somente em determinadas datas: São João e Natal, enche-na de algum ornamento, muitas vezes sem critérios de beleza e estética.
Um menino se distanciou dos demais e foi até onde estava uma estrutura de ferro circular que supostamente serve como base para o pula-pula, que alí funciona como alternativa de lazer privado. A única distração. A neta Dindi, seguiu os passos do garoto, mais imediato foi advertida por mim que podia se ferir com as pontas de ferro e pregos, observado alternativamente em sua base.
Exatamente naquele local onde fica o pula-pula sentir um mal cheiro nauseabundo. Uma mescla de vômito, fezes e urina. Eram os banheiros químicos instalados no espaço reservado a estacionamento para a caravana da saúde que visita a cidade.
Quanta falta de sensibilidade. Não é nada elegante para quem chega à cidade e se depara com restaurantes, sorveterias, padarias, bares, lojas diversas, ser recepcionado por esse mau cheiro. Eu que tenho a mania de potencializar tudo, só em aborver esse tipo de fedor, imagino que tudo pode estar contaminado em torno.
Já deveríamos ter um espaço extra, fora do perímetro urbano destinado a eventos e que também pudesse abrigar os circos.
Quando a neta, retornou ao lugar onde as crianças brincavam de parque, um grupo de skeitistas já estavam ensaiando os primeiros passos. Um sobe e desce, um cai, levanta, que presenciei uma tragédia anunciada. A única opção foi ir embora.
Diante da configuração de pensamento que ainda perpetua na cidade e sem alguma chance
de mudança quanto a um projeto, onde seja possível acrescentar equipamentos recreativos e contemplativos, como playgrounds, bancos mais harmoniosos nas praças, ainda me resta a força interior e os exercícios diários que me confere adaptar a lei de Darwin ao dia a dia. Diante dessa configuração de “não-políticos” que exercem a ladroagem utilizando-se da res- pública, a exemplo dos tantos casos que foi divulgado pela imprensa, já não me cabe mais pensar na “esperança”, essa dita cuja que dizem ser a “última que morre”. Foi por acreditar demasiado nela- a esperança - nesses últimos 30 anos, que se apropriou dos nossos pensamentos e corpos a domesticação e docialidade, deixando-nos sempre a mercê do norte, desses, desses, desses...


Valença, Bahia, 13 de outubro de 2017

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