quinta-feira, 3 de março de 2011

A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS... JOÃO DO RIO

Na 208° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 27 de fevereiro de 2011, transmissão pela Rio Una FM 87,9 apreciamos os fragmentos iniciais da crônica: Cordões inserida no livro: A alma encantadora das ruas de João do Rio.

Cordões


Oh! abre ala!
Que eu quero passá
Estrela d´Alva
Do Carnavá!


Era em plena rua do Ouvidor. Não se podia andar. A multidão apertava-se, sufocada. Havia sujeitos congestos, forçando a passagem com os cotovelos, mulheres afogueadas, crianças a gritar, tipos que berravam pilhérias. A pletora da alegria punha devarios em todas as faces. Era provável que do largo de São Francisco á rua Direita dançassem vinte cordões e quarenta grupos, rufassem duzentos tambores, zambumbassem cem bombos, gritassem cinquenta mil pessoas. A rua convulsionava-se como se fosse fender, rebentar de luxúria e de barulho. A atmosfera pesava como chumbo. No alto, arcos de gás besuntavam de uma luz de açafrão as fachadas dos prédios. Nos estabelecimentos comerciais, nas redações dos jornais, as lâmpadas elétricas despejavam sobre a multidão uma luz ácida e galvânica, que enlividescia e parecia convulsionar os movimentos da turba, sob o panejamento multicolor das bandeiras que adejavam sob o esfacelar constante dos confetti, que, como um irisamento do ar, caíam, voavam, rodopiavam. Essa iluminação violenta era ainda aquecida pelos braços de lua auer, pelas vermelhidões de incêndio e as súbitas explosões azuis e verdes dos fogos de Bengala; era como que arrepiada pela corrida diabólica e incessante dos archotes e da pequenas lâmpadas portáteis. Serpentinas riscavam o ar; homens passavam empapados d´água, cheios de confetti; mulheres de chapéu de papel curvavam as nucas á etila dos lança-perfumes, frases rugiam cabeludas, entre gargalhadas, risos, berros, uivos, guinchos. Um cheiro estranho, misto de perfume barato, fartum, poeira, álcool, aquecia ainda mais o baixo instinto de promiscuidade. A rua personalizava-se, tornava-se uma e parecia, toda ela policromada de serpentinas e confetti, arlequinar o pincho da loucura e do deboche, Nós íamos indo, eu e o meu amigo nesse pandemônio. Atrás de nós, sem colarinho, de pijama, bufando, um grupo de rapazes acadêmicos, futuros diplomatas e futuras glórias nacionais, berrava furios a cantiga do dia, essas cantigas que só aparecem no Carnaval:


Há duas coisas
Que me faz chorá
É nó nas tripa
E bataião navá!


Fragmentos da crônica: Cordões, retirado do livro: A alma encantadora das ruas de João do Rio

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