segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Mar Morto

Fotografia de Pierre Verger

Na 113° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER, cujo tema foi: ”MAR”; as influências nocivas da ação humana nos ambientes marinhos; aproveitamos para homenagear a festa de Iemanjá, comemorada no dia 2 de fevereiro, considerada em termos de manifestação, a terceira maior festa popular da Bahia, perdendo apenas para a lavagem do Senhor Do Bomfim e Carnaval. Elegemos para brindar um dos momentos do programa, fragmentos do romance: “MAR MORTO” de Jorge Amado, escritor baiano, um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros, falecido no dia 6 de agosto de 2001. Autor de inúmeros livros: Gabriela cravo e canela, País do Carnaval, Capitães de Areia, Mar Morto, etc..


FRAGMENTOS DO ROMANCE: “MAR MORTO”


As estrelas tinham desaparecido. Também a lua não veio nessa noite e por isso não havia cânticos no mar, não se falava de amor. As ondas corriam umas sobre as outras. Isso dentro da baía, antes mesmo do quebra-mar. Como não estaria então lá fora, adiante da barra, onde o mar fosse livre?


O “Valente” se afasta com dificuldade do cais. Guma procura ver o que está diante de si. Mas é tudo negro em redor. O difícil é atravessar esse pedaço de mar, o vento contra. Depois será uma carreira doida, a favor do vento enfurecido, por um mar que já não é dos saveiros e das canoas: o mar dos grandes navios.


Guma ainda enxerga as sombras do cais. Aquela que agita a mão é Rosa Palmeirão, a mulher mais valente e mais doce que ele já viu. Guma só tem vinte anos mas já amou várias mulheres. E nenhuma delas soube ser ainda como Rosa Palmeirão nos dias de barulho. O mar estava cor de chumbo. Um peixe salta sobre as ondas. Para ele a tempestade não tem importância. Até impede os pescadores na sua faina. O saveiro aos poucos atravessa as águas do cais. O quebra-mar está perto. O vento corre em redor do forte velho, entra pelas janelas abandonadas, brinca com os velhos canhões inúteis. Guma já não vê os vultos no cais. É possível que Rosa Palmeirão esteja chorando.


(...) O saveiro salta sobre as ondas. Avança dificilmente. O quebra-mar parece se conservar sempre à mesma distância. Tão próximo e tão longe. Guma arranca a camisa molhada. A onda atravessa o saveiro de lado a lado. Como estará então fora da barra?


(...) A verdade – pensa Guma- é que é difícil chegar com vida. Hoje será o seu dia. Pensa isso sem medo. Chegou mais cedo que ele esperava mas tinha mesmo que chegar, ele não escaparia. Tinha pena somente de ainda não haver amado uma mulher como a que pedira certa noite a dona Janaína. Uma mulher que lhe desse um filho para herdar seu saveiro, para ouvir as histórias do velho Francisco. Também não tinha corrido outros portos como pensara. Não fora como Chico Tristeza por outros mares para as terras do sem fim. Iria agora com Iemanjá, dona Janaína dos canoeiros. Princesa de Aiocá dos negros, correr por baixo das águas. Talvez ela o levasse para a terra de Aiocá, que era a sua terra. É a terra de todos os marítimos, onde dona Janaína é princesa. Terras de Aiocá, longínquas, perdidas na linha do horizonte, de onde vinha Iemanjá nas noites de lua.


(...)Guma maneja o leme. Também Jeremias não tem mais esperanças de vê-lo. Não espera mais ver o “Valente” atravessar o quebra-mar. Nunca mais Jeremias cantará para Guma. É Jeremias quem, à noite, diz que “é doce morrer no mar”. Agora será uma corrida doida. Está com o vento a favor. Quase o saveiro emborca na manobra para mudar de rumo. Agora o vento o arrasta, joga água sobre o saveiro, empasta o seu cabelo, canta nos seus ouvidos. O vento passeia por todo o saveiro. Apaga a sua lanterna. As luzes da cidade, cada vez mais distantes, passam velozes. Agora é uma corrida sem fim, todo virado de um lado, agarrado ao leme. Para onde o arrasta este vento?

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