Na 305° edição do Alacazum palavras para entreter que foi ao ar no dia 16 de junho de 2013, das 8 às 9 h da manhã de domingo, transmissão ao vivo, Rio Una FM 87,9 cujo tema: Literatura e Futebol, apreciamos o texto: O jogador e sua bola de Affonso Romano de Sant ´Anna.
A bola não é um mero artefato de couro. É um ser alado, de ouro, ave sagrada, que rompe as traves da gaiola, isto quando não é uma flor que ao abrir-se em gols nos mostra a luz de sua corola.
A bola difere do diamante. Não tem arestas. E, no entanto, arisca, risca a pele em ritmo de festa. Não tem arestas, porque é polida, não pela mão, mas pelo pé do ourives, caso se chame Zico ou Pelé.
Se na Espanha a bola fosse um touro, no gol, um toureiro faria da rede a capa ou estola. Mas, sendo no Brasil, ela é samba que o sambista cantarola, é toque na cuíca e caçarola e a bandeira que o passista na avenida desenrola.
O jogador não é só mestre. É um aluno, que carrega consigo a escola. E para ele o mundo é a bola. E sendo a bola seu coração, ele sabe a lição de cor, não cola.
O jogador é um ator. Ele joga, encena a paixão no estádio, tornando público o seu caso de amor com a bola. Mas pode ser dramático ou histrião. Nesse caso o "ser" ou não "ser" é um chavão.
A bola é um raio que, quando cai no gol, vira trovão de bombas, gritos e alaridos da multidão.
A bola também tem sua contradição: pede que a persigam e ri da perseguição.
O bom jogador é como o cantor: não sabe mais o limite entre sua voz e a canção.
Ao mau jogador a bola parece um cacto roliço, um porco-espinho que a canela ou a alma esfola. Ataca como um pivete que quando passa não se consegue pegar pelo pescoço ou gola.
A bola é como o tigre no zoológico da grama. E o jogador é o domador do fero instante sem usar chicote ou chama.
Mais que amante que no campo da cama nos traz o corpo sempre inaugural, o jogador é a cartomante e sua bola de cristal, jogando com o nosso ser, a nos trazer o bem e o mal.
Se a bola é bala, o corpo do jogador é a pistola, e, quando atira furioso, o adversário cai e sai de padiola.
A bole é bela? A bola é a fera que nos abala e desespera? Ou a bola é como a bula, ambígua, veneno e remédio, que nos mata e consola, mulher fatal que nos ama e desola?
Não, a bola não é a lua, pálida e quimera. Mais que a solitária esfera, a bola é um cometa, que de quatro em quatro anos nos assola.
Pensamos olhar a bola, mas é a bola com seu olho é que nos olha.
A bola é como a terra: redonda e humana. É como o homem: cheia de ar, pura arrogância. A bola é nossa errância.
A bola não é coisa de adulto. É o que sobrou da infância.
Se o campo é um labirinto de pernas, a bola é um fio de novelo que desenrola. Nos foi dado por Ariadne, contra o Minotauro e a degola.
O jogador é um prestidigitador, que na última hora ante a torcida aflita tira um gol de sua cartola.
Também é um ilusionista, coisa de artista de circo, que faz da bola argola, causando no estádio espanto e sobre a cabeça do atleta a bola se faz auréola fazendo do homem um santo.
O jogador, emfim é um escritor. Ele joga com o instante e a glória.Tem os pés no chão e a cabeça nas nuvens, para cabecear a história.
O jogador é um poeta. E como poeta um fingidor. E joga tão perfeitamente que nos faz pensar que é poesia o que é jogo simplesmente.
Affonso Romano de Sant ´Anna.