domingo, 20 de abril de 2008

QUADRO: A HORA DO CONTO

Phoenicopterus spp.

As meias dos flamingos
Certa vez as cobras deram uma grande festa. Convidaram as rãs e sapos, os flamingos, os jacarés e os peixes. Os peixes como não caminham, não puderam dançar mas sendo a festa a beira do rio, os peixes próximos a areia, aplaudiam com o rabo. Os jacarés, para enfeitar-se bem colocaram no pescoço um colar de bananas e fumavam cigarros paraguaios. Os sapos, colaram escamas de peixes por todo o corpo e caminhavam, balancando-se como se nadassem. E cada vez que passavam, muito sérios pela beira do rio, os peixes lhe gritavam debochando.
As rãs, perfumaram todo o corpo e caminhavam em dois pés. Além do mais, cada uma levava, empendurado como um farol, uma lanterna, que balançava. Porém as mais belas eram as cobras. Todas, sem exceção estavam vestidas com roupas de baile da mesma cor de cada uma. As cobras vermelhas, vestiam uma saia vermelha, as verdes, de tom verde, as amarelas de tom amarelo. E as jararacas, uma saia de tom grafite, pintada com linhas de pó de tijolo e cinza porque é assim a cor das jararacas. E a mais fantástica de todas eram as cobras coral, vestidas com amplas gazas vermelhas, brancas e negras, bailando como serpentinas. Quando as cobras dançavam e davam voltas, apoiadas na ponta dos rabos, todos os convidados aplaudiam como loucos. Só os flamingos, que até então, tinham as patas brancas e o nariz muito grosso e torcido, só os flamingos, estavam tristes porque de pouca inteligência não souberam enfeitar-se. Invejavam as roupas de todos, sobretudo as roupas das cobras coral. Cada vez que uma cobra passava diante deles insinuando-se e fazendo ondular as gazas de serpentinas, os flamingos morriam de inveja.
Um flamingo, disse então:
- Eu sei o que vamos fazer. Vamos colocar meias vermelhas, brancas e negras e as cobras coral vão se apaixonar por nós.
E levantaram todos juntos vôo, cruzaram o rio e foram bater a um armazém do povo.
-Tan tan- bateram com as patas
- Quem é? perguntou o dono do armazém
-Somos nós os flamingos. Tem meias vermelhas, brancas e negras?
-Não, não há - respondeu o homem. Estão loucos? Em nenhum lugar vão encontrar meias assim.
Os flamingos foram então a outro armazém.
-Tan tan - tem meias vermelhas, brancas e negras?
O dono do armazém respondeu:
- O que disse? Vermelhas, brancas e negras? Em nenhum lugar existe meias assim. Vocês estão loucos. Quem são?
-Somos flamingos- responderam
-Então são seguramente flamingos loucos.
Foram a outro armazém
-Tan tan - tem meias vermelhas, brancas e negras?
O homem respondeu:
- De que cor? Vermelhas, brancas e negras? Somente a pássaros narigudos como vocês, ocorre pedir meias assim. Saiam daqui! E o homem os expulsou com a vassoura. Os flamingos procuraram todos os armazéns e em todos eles os expulsaram como loucos.
Então um tatu, que tinha ido tomar água no rio, para zombar dos flamingos, disse fazendo uma grande saudação:
- Boa noite, senhores flamingos. Eu sei o que vocês estão procurando talvez encontre em Buenos Aires mais terão que pedir por encomenda postal.
Minha cunhada, a coruja tem meias assim. Peça e ela lhe dará as meias vermelhas, brancas e negras.
Os flamingos agradeceram e foram a casa da coruja. Disseram:
-Boa noite, coruja! Viemos pedir as meias vermelhas, brancas e negras. Hoje é o grande baile das cobras e se colocarmos essas meias, as cobras de coral ficarão apaixonadas por nós.
- Com muito prazer - respondeu a coruja. Espere um segundo que já volto.
Preparou vôo, deixou os flamingos e em instantes retornou com as meias. Mais não eram meias e sim couros de cobras coral. Lindisimos couros récem retirados das cobras pela coruja.
-Aqui estão as meias - disse a coruja. Não se preocupe por nada. Apenas uma coisa: dancem de todas as formas como desejem mas não parem, por que em vez de dançar vocês vão chorar. Mas os flamingos como são bobos não entenderam bem que perigo havia para eles e loucos de alegria, colocaram as meias e foram para a festa.
Quando viram os flamingos, com tão belas meias, todos ficaram com inveja. As cobras queriam dançar com eles todavia os flamingos não paravam de dançar. Foi aí que as cobras começaram a desconfiar e não afastavam os olhos das meias e se abaixavam tratando de tocar com as línguas as patas dos flamingos. Porque, as línguas das cobras são como as mãos das pessoas. E os flamingos, dançavam e dançavam sem cessar embora cansadissimos. As cobras então pediram as rãs suas lanternas que eram bichinhos de luz e esperaram todas juntas os flamingos cairem cansados. Efetivamente um minuto depois, um flamingo caiu, tropeçou com o cigarro de um jacaré, cambaleou e caiu de costas. Em seguida, as cobras coral, aproximaram-se com os faróis e iluminaram as patas dos flamingos e viram o que eram aquelas meias. Lançaram um silbido que se escutou além da beira do Paraná.
-Não são meias - gritaram as cobras. Sabemos o que é. Nos tem enganado. Os flamingos mataram nossas irmãs e colocaram seus couros como meias. As meias que tem são de cobra coral.
Ao escutar, os flamingos, cheios de medo, quiseram voar mas estavam tão cansados que não conseguiram levantar uma só pata. Então as cobras coral se lançaram sobre eles e enroscando-se em suas patas começaram a morder as meias, arrancando-as aos pedaços enfurecidas, mordendo também as patas para que morressem. Os flamingos, loucos de dor, saltavam de um lado para o outro sem que as cobras coral se desenrolassem de suas patas. Até que ao final, vendo que já não restavam um só pedaço de meia, as cobras afastaram-se cansadas, ajeitando suas roupas de festa. Além do mais, elas tinhasm certeza que os flamingos iriam morrer, porque a metade das cobras que havia mordido eram venenosas. Mais os flamingos não morreram. Correram ao rio. Gritavam de dor e sua patas, antes brancas agora vermelhas devido aos venenso das cobras. Passaram dias e dias com grande dor e tendo sempre de cor de sangue devido ao veneno.
Isso faz muito tempo. E ainda hoje, lá estão os flamingos quase todos os dias com suas patas metidos em água tratando de acalmar o ardor que sentem. As vezes se afastam da beira do rio mais assim que volta a dor entram de novo na água. As vezes, o ardor que sentem é tão grande que encolhem uma pata e ficam horas inteiras sem poder estirá-las. Esta é a história dos flamingos que antes tinham as patas brancas agora vermelhas. Todos os peixes sabem o porquê e zombam dele. Entretanto enquanto os flamingos se curam na água, não perdem a oportunidade de vingar-se comendo muitos peixinhos que se aproximam demais rindo deles.
Horacio Quiroga
Do livro: Contos da selva de Edição argentina. Traduzido do castellano para o português por Celeste Martínez

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