quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Quadro: A hora do conto



Na 161° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 10 de janeiro de 2010, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 KHZ AM apreciamos a seguinte leitura retirada do livro: Contos tradicionais do Brasil para jovens de Luis da Câmara Cascudo.




A princesa serpente




Era uma princesa bonita e boa que trouxera a sina de transformar-se em serpente um ano inteiro, desde o momento em que casasse. A princesa vivia triste porque o remédio seria descobrir uma amiga que a substituísse durante o ano do casamento e não a traísse. Como arranjar essa amiga fiel?

Nos fundos do palácio morava uma viúva remediada, que tinha três filhas bem formosas e parecidas. A princesa mandou convidar a mais velha para passar o dia com ela.

A moça veio e a princesa encheu-a de agrados, mostrando os vestidos e jóias, passeando todo palácio. Quando chegou a hora do almoço, a princesa mandou que ela esperasse no quarto.
Voltou meia hora depois trazendo o fígado de uma galinha, por todo almoço da convidada. A moça comeu o fígado e ficou com fome o resto do dia, não achando graça em cousa alguma. Assim que escureceu e a princesa mandou deixar a moça em casa, logo que ela foi chegando e entrando, foi logo gritando:

- Minha mãe, bote-me de comer que venho morta de fome. A princesa só sabe agradar, mas, na hora do almoço, tive um fígado de galinha!

A escrava que fora com a moça ouviu e contou à princesa e esta convidou a moça do meio. Esta foi, e se passou a mesma coisa, apenas a princesa lhe dera a metade do fígado da galinha.
Voltando para casa, a moça foi gritando do meio da rua que estava sucumbida de fome e botasse logo almoço, jantar e ceia para ela. A escrava tomou a contar o que ouvira e a princesa convidou a mais moça.

Esta passou o santo dia entretida com os vestidos, enfeites, jóias e móveis do palácio, recebendo apenas uma terça parte do fígado da galinha. Nem comeu. Embrulhou para levar para sua mãe e continuou alegre. De tarde, quando chegou não disse cousa nenhuma de mal, elogiando tudo quanto via, especialmente a bondade da princesa.

A princesa mandou buscar a mais nova e cobriu-a de presentes, vestidos e preparos ricos, dando-lhe um quarto pegado ao seu. Contou que tivera necessidade de arranjar uma amiga fiel e que soubesse guardar segredos e não mexericar, e a única maneira fora aquela de dar pedaços de fígado de galinha. Contou ainda que tivera a sina de virar serpente e que gostava muito de um rapaz, não casando porque não tinha quem a substituísse na alcova e lhe merecesse confiança.
Ficou tudo combinado. A princesa ia casar e deixaria a moça no seu quarto. A moça era parecidíssima com ela. Assim que acabasse a cerimônia, a princesa corria para o quarto e a moça vestiria o vestido de noiva e a outra, já virada em serpente, ia cumprir sua sina durante um ano. O resto confiava no coração da amiga.

Assim sucedeu diretinho. O noivo, quando a moça lhe apareceu já vestida com os trajes próprios, ficou convencido de que se tratava realmente da princesa, quando esta, coitada, corria os campos, virada numa serpente preta.

Houve festa e quando se agasalharam, a moça pegou na mão do noivo e disse que fizera uma promessa ao Jesus Crucificado para não ter vida comum com o marido durante um ano, dormindo no mesmo quarto mas em camas separadas. Abriu um gavetão da cômoda e mostrou um vulto do Crucifixo, que assistiria o cumprimento da promessa. O noivo conformou-se com a situação por tratar-se de promessa.

Passaram-se todos os meses até o dia em que a princesa devia desencantar.

Nessa tarde, num local bem escondido, a moça levou três bacias, uma com leite, uma com água da fonte e outra com perfume. A serpente chegou, comprida, e foi se metendo na bacia de leite e se enrolando, se enrolando. Saltou de dentro a princesa tal qual era antes de cumprir a sina. Lavou-se na água da fonte e depois tomou um banho de perfume. Vestiu as roupas que a amiga levava e veio para seu quarto, deitando-se na sua cama.

O marido, nas horas de dormir, veio e, passando a mão pelo rosto dela notou que a pele estava áspera, vermelha e pegando fogo de quente. A princesa levantou-se, chamou os pais e a amiga, contou toda a história, louvando a fidelidade e a prudência da moça. Finalmente como toda a mulher é maliciosa, perguntou à amiga referindo-se ao marido:

- Como você pôde livrar-se dele?

- Com esse aqui” – respondeu a moça. E abrindo o gavetão da cômoda mostrou Jesus Cristo Crucificado.

Todos acharam muito bonito o parecer e a princesa casou a amiga com um príncipe seu primo, ficando todos no palácio.


Contado por Clotilde Caridade Gomes em Natal, Rio Grande do Norte



Este livro utilizado pelo programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER faz parte do KIT PONTOS DE LEITURA conquistado pelo ALACAZUM no ano de 2008 quando participou do I CONCURSO PONTOS DE LEITURA: HOMENAGEM A MACHADO DE ASSIS.

Nenhum comentário: