quinta-feira, 11 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-6

- E aí, minha conterrânea!?
O supermercado lotadíssimo e ele gritou-me proferindo esta simples frase para que todos ouvissem, quebrando as regras de etiquetas vigentes. Eu o saudei, acenando, enquanto me organizava na fila do caixa que dizia até no máximo 10 ítens. Ele aproximou-se. Carregava dois capacetes, em uma das mãos e na outra uma sacola plástica, deste tamanho, contendo carne vermelha. Estava tão pesado, que seu corpo inclinava para o lado. Baixinho, semi desprovido de cabelos, amigo dos tempos em que vivia na Gamboa do Morro Cairu Bahia. Sempre foi muito alegre e festivo. Todos que o conhecem gostam dele. Trabalhou desde cedo na comercialização de mariscos. Chegou a ter peixaria em Valença. Formou família e descasou. Agora vive, como ele mesmo diz: Nas cachaças. Curte uma pinga no pé do balção. É dele a expressão: Adorooooooo!
- E a Gamboa, continua linda? Perguntei-lhe.
- Agora eu sou visitante. Muita gente daquele nosso tempo já se foi. Não conheço mais ninguém. Disse e seu rosto se expressou com tristeza.
- Visitante nativo. Acrescentei.
- E você, quantos anos que saiu de lá? Perguntou-me
Calculei momentaneamente uns trinta anos. E ele:
- Eu tenho quarenta anos de Valença.
A fila emperrara e ele impaciente, devido ao peso que carregava, de repente olhando para trás, disse:
- Venha, cá, Bié!
Um ancião, franzino, com chapéu de vaqueiro, sandálias de tiras e roupas surradas, aproximou-se, bem, bem lentamente. Olhei para o homem e pareceu-me conhecido. Perguntei:
- Ele é da Gamboa?
- Não. É daqui de Valença, da rua da Triana. Meu companheiro das cachaças. Tá vendo aqui? E desviou os olhos para a sacola de carne que segurava em uma das mãos. É dele! Tô fazendo um favor. Até disse, que levava ele de moto. Ele é que não quer.
Falava em um volume de voz que excedia os cinquenta decibéis permitidos. Todos os olhares em nossa direção e alguns sorrisos.
De repente, umas quatros pessoas que estavam posicionadas em minha frente, optaram por dar passagem a este meu amigo, com uma sacola, deste tamanho, cheia de carne. O senhor o acompanhava, arrastando os pés e olhando para o chão com medo de cair.
- Tchau, minha amiga! Ele disse.
Só balancei a cabeça e esbocei um sorriso. Naquele momento, por minha mente passavam vários capítulos da infância em Gamboa. E me transportei para a rua de cima, lugar onde este meu amigo morava.
Enxerguei o campo da bola, a discoteca de Cabinho, aquele homem magrinho com andar compassado, chamado Zezinho Galo, a pequenina delegacia de polícia, Baco, Alfonso, o prédio escolar bem em frente a praia, a casa de Paizinho ( o músico) Tita, Norma, Dona D' Hora, Nilena ( e seu amor exarcebado aos filhos e filhas ), professor Júlio com sua elegância e cordialidade ( ainda escuto o tom grave da sua voz ) professora Lilita, sempre muito educada, prestativa e severa, a sorveteria de... como era mesmo o nome daquela senhora?
Ah! Gamboa, quanta saudade!

Valença 10 de maio de 2017 Celeste Martinez

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