quinta-feira, 11 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez-1

Crônica cotidiana de Celeste Martinez
Naquele final de tarde, após longas horas e em diferentes locais procurando rúcula sem encontrar, estava por desistir, quando em um daqueles vendedores ambulantes, posicionados à rua doutor Rocha Leal, na cidade de Valença, Bahia, encontrei tão procurada verdura. Ressaltando: verdinhas. Comprei três maços.
Quando adiantei os passos em direção à travessa homônimo, uma mulher - fisionomia de menina – também da economia informal, posicionada no passeio, bem na esquina, fez sinal com a mão em minha direção. Disse:
- Faz favor!
Fiquei na dúvida e para certificar-me olhei para os lados e para trás. Não tinha ninguém com intenção de falar com a mulher. Era comigo mesmo. Aproximei-me.
- Sim. Disse.
- É verdade, que o Alacazum acabou? Perguntou a mulher.
Confesso que fiquei surpresa, não com a pergunta, por que ultimamente, desde a saída do Alacazum do ar, o que mais tenho feito é dar explicação ao povo. O que me impressionou foi a jovezinha, trabalhadora, com cara de menina, franzina, desconhecida até aquele momento, com sua vozinha fina e delicada, me chamar para saber o paradeiro do Alacazum. Quando lhe confirmei, proferindo a palavra sim, que era verdade que o Alacazum estava fora do ar, esta confirmação, não teve a mesma tonalidade de perda, das anteriores respostas que havia dito no decorrer destes três meses. Contrário, encheu-me de alegria por saber que o Alacazum está despertando saudade em muita gente.
Podem calar o Alacazum, impedindo sua propagação através das ondas eletromagnéticas, mais não conseguirão trancafiar a voz de cada cidadão que teve a oportunidade de escutar por alguns minutos, algumas horas, alguns domingos e durante dez anos.
Ao ser questionda por mim a respeito do motivo da pergunta, disse:
- Quem me disse foi um amigo que vende caranguejos aqui. Ele também escutava.
- E você, me escutava?
- Sim. Até ganhei uma caixa de chocolate. Fui buscar na sua pizzaria.
- Qual o seu nome?
- Tatiane.
- De que bairro?
- Tento.
De repente me reconheço fazendo as mesmas perguntas quando estava no rádio enquanto falava com os ouvintes-leitores, via telefone. Uma estranha felicidade abraçou-me. Aquela mulher, com cara de menina, que falava comigo ao mesmo tempo em que guardava suas mercadorias, tirou um tempinho para assuntos culturais. Naquele momento a mulher estava pensando nas palavras para entreter. E ela prosseguiu falando:
- Era bom por que fazia a gente pesquisar. As vezes eu acertava outras não. As vezes eu dizia e quando era no final a resposta era igual. Eu gostava.
- Eu também. Repetir descontraidamente.
Ela quis saber por que motivo de se tirar um programa tão bom. E novamente tive que repetir que fui eu que decidir sair por que não aceitei que o dono da rádio se intrometesse no conteúdo do Alacazum. A expressão dela foi:
- Ah! Seguido de um: Que pena!
E para conclusão de bate papo, fiz questão de cumprimentar-lhe com um aperto de mão e agradecer a gentileza e a sensibilidade da lembrança. Virei as costas e prosseguir. Mais creiam, que dentro de mim, uma paz se instalou e também uma certeza de que as sementes de amor que o Alacazum semeou em cada coração, está florindo. Se não temos mais a possibilidade de comunicação via rádio, algo novo, grandioso, surgirá. Por que nada é para sempre.

Valença, 3 de maio de 2017 Celeste Martinez

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