quarta-feira, 31 de maio de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 21 de maio de 2017


  Para Elizete, do Jambeiro.

Nestes últimos dez anos, o dia de domingo, sempre foi muito especial. Principalmente as manhãs. Estou falando do programa de rádio Alacazum palavras para entreter.
Neste domingo, 21 de maio de 2017, por primeira vez, esqueci de lembrar do Alacazum.
Dormir até tarde. Quando abrir os olhos e a vida entrou em mim, sussurando sobre a chuva que caía lá fora, eu ainda estava na cama. O abrir dos olhos veio acompanhado da seguinte frase:
Nestes últimos dez anos.
Era a frase inicial que sinalava dentro de mim o começo de uma nova crônica.
Desci, momentaneamente da cama. Abrir a janela. A intuição sinalava que era muito tarde. Não atrevi a calcular quanto.
Lá fora, nuvens, lembrando creme chantilly, em cores branco e cinza, estavam estacionadas na paisagem. Contudo, notava-se a cor azul como pano de fundo. Liguei o celular. Imediato o dispositivo, avisa-me mensagem no WhatsApp. Era Elizete. Elizete do Jambeiro. Não. Elizete do Novo Horizonte. Da minha casa minha vida. Era assim que nos comunicavamos no rádio. Uma assídua e participativa ouvinte-leitora do Alacazum aos domingos. Penso:
- Deve ter enviado mensagem por que lembrou do Alacazum.
Estava lá:
- Bom dia! Ao lado a informação do horário. Seis e cinquenta e três.
Será que Elizete ainda está disponível para um bate papo?
Vou provocar com intuito de saber se ela lembrou do Alacazum ou foi simples vontade de falar comigo.
- Bom dia, Elizete! Você enviou mensagem este horário da manhã de domingo, pensando que eu já estava acordada?
Aguardei que a resposta fosse ao meu modo e com referência explícita sobre o Alacazum. De repente o sinalizador do aplicativo, mostra que está digitalizando. E vem a resposta:
- Sim. Por que Deus ajuda quem cedo madruga!
Frase típica de Elizete sem contudo responder os meus anseios. Fazendo implicitamente mesmo sem intenção, critica, a minha prostação nesta manhã de chuva.
- Neste domingo não. Ainda estou na cama.
Assumo a minha preguiça e também o meu esquecimento em não lembrar do Alacazum. Foi o esquecimento que me fez acordar tarde.
- Beleza, bom descanso! Ela responde.
Vixe, com a minha sinceridade, conseguir afugentar a amiga Elizete. Não quero isso. Por primeira vez, em muitas manhãs, converso com alguém via WhatsApp.
- Mais isso não é motivo para não conversar. Estar na cama, não necessariamente é para dormir. Hojé, é um dia raro. Acordei tarde.
- Não consigo acordar tarde! Ela diz.
Até agora, nenhuma palavra esperada. Nenhum indício do que eu queria ouvir.
Como exigir do outro a lembrança, se eu, esqueci?
Mais alguma coisa estimulava para prosseguir instigando.
- Você acorda mais cedo que o Sabiá-Laranjeira?
Um longo silêncio. Logo em seguida o sinalzinho: digitando.
- Qual a data do seu aniversário?
Caramba, nada a ver. A conversa foi para a casa do chapéu. Iniciei por conjugar o verbo esquecer no pretérito perfeito. No entanto é da minha natureza a inconformidade.
Será o Benedito que a amnésia, esta ameba pálida e mortal tenha se infiltrado em minha cabeças nesta manhã de domingo?
- Por que você lembrou de mim hoje? Fiz o último lance na tentativa de acerto.
- Por que estou em casa ainda. Foi a resposta.
É, minhas amigas e amigos, nem tudo saí como desejamos por que quase sempre não é o planejado.
Ainda estou na cama. Passa das dez e trinta e oito. Volto os olhos para a janela. Da paisagem que vislumbro, noventa por cento sobressaí a copa de frondoso pé de jamelão. Os outros dez por cento são nuvens carregadas, cor cinza escuro, branco esmaecido e um rasgo sutil de azul pálido. O sol, aos poucos, intensifica a temperatura. Sem pressa, arrastado.
E eu, voltei a conjugar o verbo esquecer, desta vez no presente do indicativo. Por que brincar de esquecer, doi menos.

Valença, Bahia, 21 de maio de 2017 Celeste Martinez

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