sábado, 3 de junho de 2017

Crônica cotidiana de Celeste Martinez

Publicado no Facebook dia 2 junho de 2017

Foi alí mesmo no Calçadão, cruzamento entre as ruas Ruy Barbosa, Conselheiro Ferraz e Marques do Herval, na cidade de Valença, Bahia, que encontrei o amigo, José Carlos. Elegantíssimo. E olha, que estava de uniforme. Seguia para o trabalho. A bicicleta, como acompanhante. Saudamo-nos e inevitavelmente, parei para o breve diálogo corriqueiro. Agradeci por sua sensibilidade em curtir e comentar as minhas crônicas. Foi quando este, olhando em volta, disse:
- Por que você não escreve sobre o Calçadão?
Justo naquela manhã, dia 31 de maio de 2017, publiquei uma crônica cuja abordagem foi este assunto. Ele então, sugeriu outra coisa:
- Por que você não escreve sobre o Rio Branco?
Para quem não é da cidade, devo esclarecer que Rio Branco é uma rede de supermercado que se instalou na cidade de Valença, Bahia, a muitos anos e por esta ocasião em que falo com o Zé, está ocorrendo o trágico fato de seu encerramento, com demissão em massa de muitas trabalhadoras e trabalhadores. Uma lástima. Zé, trabalhou nesta empresa por mais de vinte anos. Quando me sugere o tema, com toda certeza, sabe que é uma forma de registro histórico importante.
Por todos estes dias, desde o primeiro fechamento da filial no Calçadão, quem trafega naquele local, fica constrangido em olhar e até passar em frente. Um sentimento de pesar.
Realmente, é muita tristeza, saber que muitas famílias ficarão desamparadas. Perde a cidade como um todo. Eu, que passei a comprar em outras lojas, escutei inúmeros comentários de pessoas que eram clientes de carteirinha.
Uma senhora , que assim como eu, aguardava na fila da carne, reclamava o tempo todo. Parecia deslocada do nicho na intimidade com o atendende e falava bem alto para que todos escutassem:
- A carne melhor era do Rio Branco!
Particularmente, de todos os supermercados existentes na cidade, este foi o que fiz mais amizades.
Primeiramente, com a amiga Clenildes. O tema que nos uniu foi o Alacazum. Quando por lá passei, no ano de 2007, para deixar um ofício solicitando parceria- que nunca aconteceu – Não por culpa dela. Ela bem que encaminhou para a sede em Santo Antonio de Jesus. Não foi possível a parceria com a empresa mais aconteceu a parceria na divulgação. Foi Clenildes, quem mais divulgou o Alacazum. E se espalhou entre os repositores, caixas, empacotadores, padaria, limpeza, etc... Um deles foi João, que se intitulava “O Poeta Açogueiro “, que passando a escutar o Alacazum, soube do Concurso de poesia em Jornal local. Participou e como prêmio, teve sua poesia publicada. Creio que isso contribuiu para a sua ascensão no trabalho. Eu entrava no supermercado e já vinha gente conversar sobre o programa, trocar ideias. Todos aqueles funcionários, de uma forma inusitável faziam um atendimento diferenciado, quando não apenas um sorriso felicitava, mais uma vontade de ajudar, de ser útil. E isso foi cativando. Com muita gente acontece o mesmo. O tratamento, contribui muito para preferência.
Enquanto conversava com José Carlos, naquela extremidade do Calçadão, onde ele seguia para a outra filial, prestes a fechar, eu não notava desanimo, no seu caminhar. Cabeça erguida, olhar para frente.
Infelizmente, estamos passando por momentos díficieis na esfera mundial. Como se dizia antigamente, esta é a prova dos nove fora. De alguma maneira, espero que estas trabalhadoras e trabalhadores, desempregados, encontrem novos meios de subsistência e que a lógica da sobrevivência aos poucos retorne ao seu ritmo normal.
Normal?
Nem tanto. A cidade, sofreu um desequilibrio em sua economia e mesmo sabendo que os antigos espaços serão ocupados por novos empreendimentos e nós, filhas e filhos, desta engrenagem consumista, retornaremos como novos clientes, por alguns meses da próxima estação, relembraremos o que foi aquilo. Recordaremos os rostos, sorrisos e atendimentos. Mas aos poucos, assim como a ideia de perda, será substituida, quiçá por “uma saudade”, ou “aquela saudade”. A cidade de Valença, tem a facilidade de apagar para sempre a memória física material de sua história. Quanto as pessoas? Se não tem outros para contar, propagar o vivido, com certeza, seremos , todos, esquecidos.


Valença, Bahia, 2 de junho de 20

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