quarta-feira, 29 de abril de 2009

As razões do porco




Lido na 125° edição do ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 26 de abril de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença AM.



Lá ia para o mercado a carroça dum sitiante. Dentro, três animais: uma cabra, um carneiro e um leitão. Cabra e carneiro seguiam em silêncio, muito sossegados da vida. Já o porquinho espiava pelas frestas, cheio de apreensões. E quando avistou o mercado não se conteve: abriu a boca e berrou como se estivessem a sangrá-lo no coração.
-Para que isso? Disse a cabra.Também eu vou para a feira e no entanto a ninguém incomodo com esse berreiro descompassado.
- Também assim penso- ajuntou o carneiro. Vamos ser vendidos, quer dizer vamos mudar de dono. É tolice lamuriar dessa maneira pro coisa tão sem importância.
O porquinho berrou ainda mais, e por fim explicou:
-É verdade, vamos ser vendidos os três. Mas tu, cabra, teu destino é dar leite; e tu carneiro, tua função é produzir lã. Compreendo que seja indiferente para ambos que dês leite ou lã a este ou aquele. Mas eu – eu só presto para ser comido, e ir para o mercado não me é apenas mudar de dono mas mudar de mundo. Vou para o açougue – coim, coim! Como então quereis que me conforme com a sorte e vá nesse sossego de cabra e nessa indiferença de carneiro? Tivésseis o meu destino e havíeis de berrar ainda mais forte...
E continuou a botar a boca no mundo.



Retirado do Livro: Fábulas de Monteiro Lobato

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