segunda-feira, 5 de maio de 2008

QUADRO: A HORA DA POESIA

Dom Quixote Atacando um Rebanho de Ovelhas -1956
Candido Portinari
Quem menoscaba meus bens?
Desdéns.
Quem mais ceva meus queixumes?
Ciúmes.
Quem me apura a paciência?
A ausência.
De meu fado na inclêmencia,
Nenhum remédio se alcança,
Pois me dão morte: esperança,
Desdéns, ciúmes e ausências.
Quem me causa tanta dor?
Amor.
Quem me as glória arruína?
Morfina.
Quem às dores me há votado?
O fado.
Receio me é pois fundado
Morrer deste mal tirano,
Pois conspiram em meu dano
O amor, a morfina e o fado.
Quem pode emendar-me a sorte?
A morte.
O bem de amor quem no alcança?
Mudança.
E meus males quem os cura?
Loucura.
Então em vão se procura
Remédio algum a tais chagas,
Sendo-lhe únicas triagas,
Morte, mudança, loucura.
Do livro: Dom Quixote de Miguel de Cervantes- Editora Abril


Ilustração de Gustave Doré

Árvores, ervas e plantas,
Que neste lugar estais,
Tão altas, verdes, e tantas,
Se coo meu mal não folgais,
Ouvi minhas queixas santas.
Tal dor não vos alvorote,
Embora de terror cheia,
Pois, por pagar-vos o escote,
Aqui chorou Dom Quixote
Ausências de Dulcinéia
Del Toboso.




É aqui o lugar onde
O adorador mais leal
Da sua amada se esconde:
Chegou a tamanho mal
Sem saber como ou por onde,
Trá-lo Amor ao estricote,
Pela sua má raléia:
E até encher um pipote
Aqui chorou Dom Quixote
Ausências de Dulcinéia
Del Toboso.




Procurando as aventuras
Entre as desabridas penhas,
Maldizendo entranhas duras,
Que entre fragas e entre brenhas
Acha o triste desventuras.
Deu-lhe Amor com seu chicote
Da mais áspera correia:
Tal lhe foi o esfuziote,
Que aqui chorou Dom Quixote
Ausências de Dulcinéia
Del Toboso.

Capítulo XXVI, do livro Dom Quixote de Miguel de Cervantes- Abril Cultural

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