terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Uma Religião da Natureza

As religiões afro-brasileiras, à semelhança das culturas tradicionais africanas que lhes deram origem, giram em torno da noção de natureza, vista não como algo romântico, mas como uma coisa concreta. Isso transparece através da idéia de que todos os seres vivos são constituídos de terra, terra que se desdobra em vários momentos: no chão que pisamos, na pele que reveste os ossos, enfim, em tudo que cobre, contorna e modela. A terra é o princípio, tudo se começa com ela e termina também, razão pela qual os ancestrais são identificados com ela.Os orixás dos nagôs, os nikise dos bantus e os voduns dos daomeanos ao lado de ancestrais indígenas têem a terra como uma grande referência. Acredita-se que os ancestrais moram na terra ao lado de outros que são a própria terra, como o vodun Ajunsum, o nikise Kavungo e o orixá Obaluaiyê.


(...) Ao ladoda terra, as árvores possuem significado especial. A expressão: No tempo em que o mundo era habitado pelas árvores, aparece em alguns mitos ilustrando o período primordial. Alguns orixás e nkises são cultuados em árvores. Elas são, todavia lugar por excelência dos voduns. Há voduns que são cultuados sob determinadas árvores e há também aqueles que são representados por elas próprias. Algumas casas de tradição jeje contam o seguinte mito: No princípio, o céou e a terra entraram numa disputa sem fim. A terra passou a zombar do céu e vice-versa. A primeira gabava-se que lhe sustentava, era a superfície onde se erguiam as cidades, o local da ida e vinda das pessoas e por fim, morada dos ancestrais. Por sua vez, o céu não deixava por menos. Urdia que era a garantia da vida; era nele que passeava os astros, moravam as estrelas, planavam as aves, controlava as estações e era através dele que a humanidade se guiava. Um dia, o céu muito aborrecido resolveu dá um castigo a terra. Assim, durante um longo período, a chuva não caiu mais sobre a terra. A terra seca, não pode mais garantir o sustento das plantas, os rios começaram a secar, os animais com o passar dos dias foram morrendo de sede, as doenças passaram a assolar o mundo, tudo passou a perecer. Restou apenas uma árvore LOKO. LOKO era um vodun muito antigo. É uma árvore (Ficus anthelmintica, Pharmacosycea anthelmintica) que desde cedo com sua copa ampla aprendeu a respeitar o céu e com suas raízes profundas, amar a terra. Durante um longo período, muitos animais e até mesmo as pessoas se protegerama sob a copa de LOKO. Na falta d´água e de vento, loko garantia o frescor, as vezes a própria alimentação. O céu também ficou triste, a humanidade nem sequer mais olhava para ele. Antes que tudo fosse destruído LOKO mostrou ao céu e a terra que ambos possuíam a mesma importância e salvou a humanidade da extinção.

Extraído do Livro: Nossa Raízes Africanas - Organização Vilson Caetano de Sousa Júnior

Este fragmento: As religiões de matrizes africanas no Brasil Vilson Caetano de Sousa Júnior- Antropólogo, Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor da Universidade do Estado da Bahia onde é lider do Grupo de Pesquisa Gestão da Informação, Memória e História.

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