sábado, 6 de junho de 2009

O céu de noite


Fragmento da história “Viagem ao céu” de Monteiro Lobato, contada na 130° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 31 de maio de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 Khz AM, em homenagem ao Ano Internacional da Astronomia.


Estava um céu lindo, transparente como cristal. O assanhamento do brilho das estrelas parecia os olhos dos meninos quando viam a bandeja de doces que o Coronel Teodorico mandava no dia dos anos de Dona Benta. Antes de levantarem a toalha da bandeja os olhos de todos ali no sítio ficavam como as estrelas daquela noite.

Dona Benta tomou fôlego e falou apontando para o céu:

-Olhem lá aquelas quatro formando uma cruz! É a constelação do Cruzeiro do Sul. Constelação quer dizer um grupo de estrelas. Esta Constelação do Cruzeiro é a de maior importância para os povos que vivem do equador para o sul, como nós. Tem a mesma importância da célebre Constelação da Ursa Maior para os povos que vivem ao norte do equador, como os europeus e norte-americanos. O Cruzeiro do Sul é o nosso relógio noturno. No dia 15 de maio de cada ano essa constelação fica bem a prumo sobre as nossas cabeças, como o sol ao meio-dia, e então sabemos que são exatamente 9 horas da noite.

- Que engraçado!- exclamou Pedrinho- Estamos em fins de abril. Logo chegaremos ao 15 de maio – e eu vou acertar o nosso relógio da sala de jantar pelo Cruzeiro do Sul. Que beleza hein, vovó?

-Sim, meu filho. Saber é realmente uma beleza. Uma isquinha de ciência que você aprendeu e já ficou tão contente. Imagine quando virar um verdadeiro astrônomo, como o Flammarion!

-Aí, então, ele fica com cara de bobo, a rir o dia inteiro, só de gosto da ciência que tem lá por dentro- disse Emília.

Dona Benta achou graça e continuou a falar do Cruzeiro.

-As quatro estrelas do Cruzeiro- disse ela- são designadas por meio de letras gregas. Gama é a estrela no topo da cruz; Alfa é a do pé da cruz; Beta e Delta formam os braços.

- Mas por que essas estrelas são tão importantes?- quis saber Pedrinho.

- Por causa da disposição regular em forma de cruz, disposição que as torna de fácil encontro no céu. Num instante a gente corre os olhos e encontra o Cruzeiro. Encontrar as outras constelações já é mais difícil –exige prática; mas o Cruzeiro até a boba da tia Nastácia descobre no céu. Não há por aqui caboclo da roça, nem há negro da África, nem atorrante da Argentina, nem gaúcho do Uruguai, nem índio de todas as repúblicas da América do Sul, nem selvagem australiano, nem negro do Congo, Moçambique ou Hotentótia, nem bôer da Colônia do Cabo, nem Papua da Nova Guiné, que não conheça o Cruzeiro.

-Então Robinson Crusoé também via o Cruzeiro, vovó! – lembrou Pedrinho. – A ilha dele era a de Juan Fernandez, que fica ao sul do equador, perto das costas do Chile.

- Exatamente meu filho. Quantas vezes Robinson e o seu bom índio Sexta-feira não estiveram, como nós agora, a olhar para as quatro estrelas do Cruzeiro!

-Estou vendo-as- disse Narizinho.

-Duas estrelas maiores e duas menores...

-Sim, as maiores são a Alfa e a Gama e são também das mais brilhantes dos céus do sul.

- E qual é a mais brilhante de todas, vovó?

-Aqui nos céus do sul é uma das Constelações do Centauro, que fica logo do lado do Cruzeiro.

-Qual é ela? – perguntou Pedrinho.

Dona Benta riscou o céu com o dedo, dizendo:

- Se você tirar uma linha que toque na Delta e na Beta do Cruzeiro e a prolongar nesta direção ( e o dedo de Dona Benta ia riscando), essa linha vai encontrar duas estrelas na Constelação do Centauro- e pronto! Você terá achado a Constelação do Centauro, que é das maiores dos céus do sul. E nessa Constelação a estrela Alfa é uma das mais conhecidas de todas. É a terceira em brilho de todo o céu e uma das mais próximas de nós.

-E aquela mancha negra que estou vendo lá? – perguntou a menina, apontando.

-Pois aquilo é o célebre Saco de Carvão da Via Látea. Repare na beleza da Via látea, que fica atrás do Cruzeiro.Em certo ponto escurece. Isso quer dizer que naquele ponto há uma nebulosa escura que tapa as estrelas – e por isso recebeu o nome de Saco de Carvão.

Pedrinho não tirava os olhos das estrelas da Constelação do Centauro.

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