sábado, 6 de junho de 2009

O telescópio

Fragmento da história “Viagem ao céu” de Monteiro Lobato, contada na 130° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 31 de maio de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 Khz AM, em homenagem ao Ano Internacional da Astronomia.



Por longo tempo lá ficaram na varanda ouvindo as histórias do céu. Dona Benta parecia um Camilo Flammarion de saia. Esse Flammarion foi um sábio francês que escreveu livros lindos e explicativos. “Quem não entender o que esse homem conta”- costumava dizer Dona Benta, “é melhor que desista de tudo. Seus livros são poemas de sabedoria, claríssimos como água”.
Quem mais se interessou por aqueles estudos foi Pedrinho. Sonhou a noite inteira com astros e no dia seguinte pulou da cama com uma idéia na cabeça: construir um telescópio! “Que é afinal de contas um telescópio?”- refletiu ele. ‘Um canudo com uns tantos vidros de aumento dentro. Esses vidros aumentam o tamanho dos astros, de modo que eles parecem ficar mais próximos- foi como disse vovó.

E logo depois do café da manhã tratou de construir um telescópio.Canudos havia no mato em quantidade – nas moitas de taquara; e vidros de aumento havia no binóculo da vovó. Pedrinho serrou os canudos necessários, de grossuras bem calculadas, de modo que uns se encaixassem nos outros, colocou lá dentro as lentes do binóculo de Dona Benta e fez uma armação de pau onde aquilo pudesse ser manobrado com facilidade, ora apontando para este lado, ora para aquele.

Enquanto ia construindo o telescópio, dava aos outros, reunidos em redor dele, amostras da sua ciência.
- O telescópio saiu da luneta astronômica inventada por aquele italiano antigo, o tal Galileu. Um danando! Inventou também o termômetro e mais coisas.

- Mas telescópio é invenção que até eu invento- disse Emília. – É só cortar canudos de taquara e grudar uns monóculos dentro...

Pedrinho ia respondendo sem interromper o serviço.

-Parece fácil, e é fácil hoje que a coisa já está sabida. Mas o mundo passou milhões de anos sem conhecer este meio tão simples de ver ao longe, até que Galileu o inventou. Também para tomar a temperatura das coisas nada mais simples do que fazer um termômetro- um pouco de mercúrio dentro dum tubinho de vidro, mas foi preciso que Galileu o inventasse. Tudo na vida são “ovos de Colombo”

Depois de pronto o telescópio, houve discussão quanto ao astro que veriam primeiro.

-Eu acho que o primeiro tem que ser o Sol, que é o pai de todos- disse Narizinho.

-E eu acho que deve ser a Grande Ursa, porque é um bicho raro – propôs Emília.

Pedrinho riu-se com superioridade.

-A Grande Ursa não pode, boba, porque fica nos céus do Norte. Estes céus aqui são os céus do Sul. E o senhor que acha, Dr. Livingstone? – perguntou ele ao Visconde.

O Dr. Livingstone respondeu batendo na bibliazinha.

-Deus fez por último as estrelas, como diz aqui no Gênesis, mas Cristo disse que os últimos serão os primeiros. Logo, temos de começar pelas estrelas.

Todos se admiraram daquela sabedoria, mas Pedrinho não se contentou.Quis também consultar tia Nastácia lá na cozinha.

- E você, tia Nastácia, que acha?- perguntou-lhe.

A negra que acabava de matar um frango, foi de opinião que o bonito seria começar pela Lua, “onde São Jorge vive toda a vida matando um dragão com sua lança”.

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