sexta-feira, 19 de junho de 2009

Viagem ao céu

Texto: “Viagem ao céu” de Monteiro Lobato, lido na 132° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 14 de junho de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 Khz AM.
A negra sentiu um calafrio. Se a maioria tinha decidido que estavam na Lua, então estavam mesmo na Lua. E isso de estar na Lua parecia-lhe um enorme perigo. A única coisa que tia Nastácia sabia da Lua era que lá morava São Jorge a cavalo, sempre ocupado em espetar na sua lança o dragão. Com São Jorge, que era um santo, ela poderia arranjar-se. Mas que fazer com o dragão? E a pobre negra pôs-se a tremer.
- Meu Deus! Suspirou ela.- Tudo é possível neste mundo...
- Como sabe? – perguntou Emília espevitadamente. – Se você nunca esteve neste mundo, como sabe que nele tudo é possível?
- Quando eu digo este mundo, falo do meu mundo, do mundo onde nasci e sempre morei- explicou a preta.
- Bom. Se você se refere ao mundo em que nasceu e sempre morou, deve dizer naquele mundo, porque este mundo é a lua, e neste mundo da lua não sabemos se tudo é possível.
Enquanto Emília argumentava com a preta, Pedrinho afastou-se para examinar a paisagem. Sim, tudo exatamente como Dona Benta dissera. Aparentemente, nada de água e, portanto, nada de vegetação e vida animal como na Terra. Sem água não há vida. Todas as vidas são filhas da água. E o número de crateras não tinha fim.
Pedrinho ia levando o burro pelo cabresto e com ele trocava impressões.
- Se não há água neste astro, então também não há capim –dizia o pobre animal. – Não haver capim!... Que absurdo! O capim é o maior encanto da natureza. É uma coisa que me comove mais que um poema.
- E qual é a sua opinião, burro, sobre a formação da Lua? Há várias hipóteses.
- Sim. Uns sábios acham que a Lua foi um pedaço da Terra que se desprendeu no tempo em que a terra ainda estava incandescente. Outros acham que o planeta Saturno foi vítima duma tremenda explosão causada pelo choque dum astro errante. Fragmentos de Saturno ficaram soltos no céu, atraídos por este ou aquele astro. Um dos fragmentos foi atraído pela Terra e ficou a girar em seu redor.
- E sabe que tamanho tem a Lua?
- O volume da Lua é 49 vezes menor que o da Terra. A superfície é 13 vezes menor. A superfície da Lua é de 38 milhões de quilômetros quadrados.- mais que a superfícies da Rússia, dos Estados Unidos e do Brasil somadas.
Pedrinho admirou-se da ciência do burro. Não havia lido astronomia nenhuma e estava mais afiado que ele, que era um Flammarionzinho... Mas não querendo ficar atrás, disse:
-Pois eu também sei uma coisa da Lua que quer ver se é certa. O peso de tudo aqui é mais de seis vezes menor que lá na Terra. Um quilo lá na Terra pesa aqui 154 gramas. Eu, por exemplo, que lá em casa peso 46 quilos, aqui devo pesar 7 quilos! É pena não termos uma balança para verificar isso.
-Há um jeito- lembrou o burro.- Dê um pulo e veja se pula seis vezes mais longe que lá no sítio.
Pedrinho achou excelente a idéia. Os melhores pulos que ele havia dado no sítio foram: pulo de altura, 1 metro e 20; e de distância, 5 metros. Se ali na Lua ele pulasse 6 vezes e pouco mais longe que no sítio, então estavam certos os cálculos dos astrônomos.
Pedrinho amarrou o burro numa ponta de pedra, marcou um lugar no chão, deu uma carreira e pulou – e foi parar exatamente a 33 metros de distância, mais de 6 vezes o seu pulo recorde lá no sítio! E no pulo de altura alcançou mais de 8 metros. Um assombro!
Depois de feitas as medições, Pedrinho ficou radiante.
- É verdade, sim! – gritou ele- Aqui na Lua eu pulo melhor que qualquer gafanhoto da Terra. – e começou a brincar de pular. Deu vinte pulos de altura; e depois em cinco pulos chegou ao ponto onde estavam os outros – uma distância total de 165 metros.
- Que é isso, Pedrinho?- exclamou a menina. – Virou pulga?
-Aqui toda gente vira pulga- respondeu ele.- Experimente pular. Veja que gostosura.
Narizinho pulou e viu que estava levíssima. Emília também pulou como um grilo. E ainda estavam entretidos naquele pula-pula, quando tia Nastácia apareceu, muito aflita, com a pacuera batendo.
- Um bufo!- exclamou a pobre preta, toda sem fôlego.- Ouvi um bufo! Há de ser do dragão...
Pedrinho riu-se.
-Dragão nada, boba. Isso de dragão é lenda. Como poderia um dragão vir da Terra até aqui, se na Terra não há dragões? Tudo é fábula. E se acaso pudesse um dragão vir da Terra até aqui, como viver num astro que não tem água nem vegetação? Isso de dragão na Lua não passa de caraminhola de negra velha....
Apesar dessas palavras, novo bufo soou. Todos voltaram-se na direção do som e com o maior dos assombros viram sair de dentro duma das crateras a monstruosa cabeça do dragão de São Jorge.

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