quinta-feira, 25 de junho de 2009

Quadro: a hora do conto




Conto : “O Lobisomem” de Ricardo Azevedo, retirado do livro: Bazar do folclore e que foi lido na 133° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER, que foi ao ar no dia 21 de junho de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 Khz AM.

Quando, num lugar, aparece um homem magro e abatido, caladão, sempre olhando torto, com sobrancelhas grossas e orelhas compridas, é melhor ficar esperto: o tal sujeito pode ser o lobisomem.

Toda meia-noite, de quinta para sexta-feira, o homem que vira Lobisomem desaparece, vai para uma encruzilhada deserta, tira a roupa, a qual costuma deixar virada do avesso, e fica se esfregando no chão, em cima de estrume de vaca ou cavalo, até se transformar no homem-cachorro.

Depois, parte alucinado uivando pela noite adentro, visitando sempre sete cemitérios. Essa viagem louca pela escuridão chama-se fadário. É o fado. É o destino. É o castigo que ele precisa cumprir.

Quando o primeiro galo da manhã canta, o cachorrão do diabo vira gente de novo, veste a roupa e volta para casa exausto. No dia seguinte, está ainda mais magro, murcho e desanimado.

Ninguém sabe de onde vem esse monstrengo vira-lata cabeludo.

Muitos dizem que toda pessoa que cometeu um crime medonho, quando se casa, se por acaso tiver sete filhas, o filho seguinte, nascendo homem, vira Lobisomem.
Se isso for verdade, o Lobisomem é sempre filho do crime, da culpa, de uma coisa muito errada que um dia aconteceu.

Quem já viu afirma que é um animal escuro, cabeludo, do tamanho de um bezerro, com orelhas enormes, parecidas com as asas de um morcego.
Outros dizem que é um bicho estranho, metade homem, metade cachorro, que aparece soltando fumaça pelo nariz.

Tem gente que jura que, da cintura para cima, o Lobisomem é uma espécie de homem-cachorro, com focinho e cara peluda, mas, da cintura para baixo, ele parece mais um porco, com rabinho enrolado e tudo.
Uma coisa é certa: nenhum Lobisomem gosta de ser o que é. Ser Lobisomem é uma sina, uma força, um destino que ele simplesmente não consegue evitar. Por isso vive tristonho e cabisbaixo.

Outra coisa: todo Lobisomem de verdade aprecia sal puro e, pior, adora comer cocô de galinha! Por essa razão, quem vira Lobisomem tem sempre os dentes sujos e um bafo capaz de assustar qualquer nariz.

Tem cada história de Lobisomem que dá medo.

Lá em Rio do Antonio, perto de Caculé, interior da Bahia, vivia uma mulher, grávida de sete meses. Certa noite, o marido chegou dizendo que precisava sair com ela. Era noite de lua cheia. O homem queria passear. A moça estranhou, mas foi. Quando deu meia-noite, os dois chegaram e a uma encruzilhada. Então o marido botou a mão na cabeça. Lembrou que precisava fazer não sei o que lá, que ia embora, que era só um minutinho. A mulher ficou esperando sozinha. De repente, a coitada sentiu um cheiro forte de enxofre. Um cachorrão preto do tamanho de um burro, de orelhas imensas e dois olhos cheios de fogo saiu do mato soltando fumaça pelo focinho. Mesmo barriguda, a moça voou, correu e trepou numa árvore bem alta. A infeliz vestia um xale de lã vermelha. Contam que o monstro não conseguiu morder sua perna mas arrancou um pedaço do xale. O tempo passou. Quando o galo cantou, a coisa sumiu e, logo depois, o marido chegou. Veio suado. Parecia cansado. Pediu desculpas. Os dois foram para casa. No outro dia, a moça acordou cedo. O marido ao lado roncando. A mulher olhou bem para ele e quase desmaiou. O sujeito dormia de boca aberta. Entre os dentes amarelos havia um monte de lã vermelha. O lobisomem era ele mesmo!

Para afastar o home-cachorro dizem que vale a pena desenhar uma estrela de seis pontas, chamada também de Sino Salamão ou Signo de Salomão, na porta da casa.

Outra coisa que funciona, se por acaso o cachorro danado aparecer, é fechar os olhos, esconder os dentes e as unhas da mão, e rezar assim:



SÃO ROMÃO ESTÁ EM ROMA
A CABEÇA EM PORTUGAL
DEUS ME LIVRE, DEUS ME GUARDE
DO CÃO BRAVO, CÃO MALVADO
QUE VEM VINDO ME DANAR.
SÃO ROMÃO SEJAI COMIGO
PARA SEMPRE DO MEU LADO
PARA SEMPRE MEU AMIGO.



Para acabar com a sina desse monstrengo tem um jeito: primeiro, seguir o magrela esquisito até a encruzilhada; segundo, esperar o sujeito virar monstro e sumir no mundo; terceiro trocar suas roupas por roupas novas, compradas na loja, nunca usadas antes. Dizem que quando o lobisomem vira homem de novo, se vestir roupa nova, perde o encanto na hora.

Quem conseguir enfiar uma faca de prata no coração do lobisomem ou acertar um tiro com bala lambuzada de cera de vela de igreja também acaba com o fadário do cachorrão, que assim volta a ter uma vida normal como todo mundo.

Mas o mais importante é o seguinte: esse monstro covarde, em geral, só ataca três tipos de pessoas: mulher esperando filho, criança pequena que não consegue se defender e gente velha.
É por isso que o Lobisomem assusta tanto.

por isso que ninguém aceita o lobisomem.

Matar uma mulher ou um bebezinho que ainda nem nasceu é acabar com a esperança de que a vida vai continuar.

Acabar com as crianças pequenas é matar a possibilidade do futuro. Toda criança um dia vai crescer e tomar conta do mundo. No dia que não existir mais gente miúda, a humanidade simplesmente vai desaparecer. Quem no futuro vai tomar conta do mundo em que vivemos?

Por outro lado, acabar com os velhos é acabar com a história. Só as pessoas velhas viram o passado com os próprios olhos, sabem das coisas que aconteceram faz tempo, sabem das experiências que deram certo e das outras que é preciso evitar. Sem a memória dos mais velhos, a humanidade estaria condenada a ficar patinando, sempre repetindo e repetindo os mesmos erros.

Essa é a verdade verdadeira sobre o lobisomem: esse monstrengo covarde e cruel, metade bicho, metade gente, é o retrato do mal.
E o mal é tudo aquilo que vem para destruir a permanência, a alegria e o sonho do homem na terra.


Ricardo Azevedo

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