terça-feira, 25 de novembro de 2008

O pombo enigmático

Paulo Mendes Campos

Na inelutável necessidade do amor (era quase primavera), pombo e pomba marcaram um encontro galante quando voavam e revoavam no azul do Rio de Janeiro. Era bem de manhãzinha.

-Às quatro em ponto me casarei contigo no mais alto beiral – disse o pombo.

- Candelária? – perguntou a noiva.

- Do lado norte – respondeu ele.
- Tá – assentiu com alegria e pudor a pomba.

Pois, às quatro azul em ponto, a pomba pontualíssima pousava pensativamente no beiral. O pombo? O pombo não.

A pombinha, que era branca sem exagero, arrulhava, humilhada e ofendida com o atraso, contemplando acima do campanário todas as ossibilidades da rosa-dos-ventos. Mas na paisagem do céu voavam só velozes andorinhas garotas, porque as andorinhas mais velhas enfileiravam-se nas cornijas, pensando na morte, como gente fina, lá dentro, nos dias solenes de missa de réquiem.

Quatro e dez. Quatro e um quarto. Uma pomba sozinha, á mercê quem sabe de um gavião, lendário mas possível. Sol e sombra. Como custa a passar um quarto de hora para uma noiva que espera o noivo no mais alto beiral. Como a brisa é triste. Como se humilha em revolta a noiva branca.

Ah, arrulhou de repente a pomba, quando distinguiu, indignada, o pombo que chegava, o pombo que chegava caminhando pelo beiral mais alto, do outro lado, lá onde, um pouco além, gritavam esganadas as gaivotas do mar pardo do mercado. Irônica, perguntou a pomba:

-Perdeste a noção do templo?

-Perdão, por Deus, perdão-respondeu o pombo: - Tardo, mas ardo. Olha que tarde!...

- Que tarde? – perguntou a pomba.

- Que tarde! Que azul! Que tarde azul!

-Mas e eu?! – disse a pomba. - Sozinha aqui em cima!

- A tarde era tão bonita – disse o pombo gravemente – a tarde era tão bonita, que era um crime voar, vir voando.

- Mas e eu?! Eu!? – queixava-se a pomba.

- A tarde era tão bonita – explicou o pombo com doce paciência – que eu vim andando, que eu tinha de vir andando, meu amor.

4 comentários:

Anônimo disse...

Quem é Paulo Mendes Campos??

Procuro esta crônica, O Pombo enigmático" como nossos avós procuravam 'agulha no palheiro". Isto há uns.., (psiu) 40 anos! Isso mesmo. Sonhei, apaixonei, me encantei e deleitei com a mais autêntica e sublime maneira de declar o amor pela pomba, não mais bela, pura e deslumbrante, como suponho, ainda ser, o azul do Rio de Janeiro.

Anônimo disse...

Eu também procurei este texto um tempinho, ele é muito legal! Estudei ele na 5ª ou 6ª série, num colégio luterano quando eu ainda era "broto". Quem é Paulo Mendes Campos? Procure ler "Ser brotinho", também dele, é tudo de poderoso.

Anônimo disse...

Também procurei para um trabalho de escola estou na 8ª serie e achei super Cool!(legau)

...

Anônimo disse...

Adorei! Usá-lo-ei em uma avaliação interpretativa do Ens. Fundamental.
Abraço.