segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Crônica (quase) policial

Passa uma mulher por mim. Vem sorrindo pela rua, com os filhos a sua volta, um bando. Acho a cena bonita, mesmo assim me faz lembrar - ô memória! - de uma coisa feia: um crime ocorrido em Viamão, alguns anos atrás.

Um rapaz de 18 anos, depois de rejeitado pela companheira de 36 , matou, por vigança, cinco filhos dela - dois meninos e três meninas- e feriu gravemente a mais velha.

As crianças, com idades entre 2 e 9 anos, foram atacadas a faca, enquanto a mãe trabalhava; isso é, o assassino confesso aproveitou-se da ausência da mãe e da confiança ingênua de suas vítimas para pôr em prática o que tem de menos humano. O alegado motivo - o que de mais humano temos: o amor. Esse rapaz não soube lidar com o amor. Ou talvez eu esteja enganado, talvez ele não tenha sabido lidar com o que, em muitas pessoas, o amor provoca: um sentimento exagerado de posse.

Acho as proibições perigosas, mas penso que não deveria ser permitido a quem ama - na verdade, não deveria ser permitido a ninguém, mas sobretudo a quem ama - ter acesso a tão grave crime. O coração deveria possuir um dispositivo automático que, ao menor sinal de perigo, bombeasse para todas as veias tino suficiente para expulsar, via poros, tal sandice; ou, quem sabe, alguma válvula que fizesse o corpo paralisar-se para que, durante o tempo necessário, a voz interior que todos nós deveríamos ter para este fim recitasse poemas de amor de Drummond e de Vinícius de Moraes ou cantasse as canções de Tom Jobim e de Chico Buarque. Coisasa que não existem!

Agora, fico me perguntando: terá aquela mãe se salvado da vida que lhe foi legada? Como ela faz para sobreviver com decência à perda não de um filho, o que já seria uma tragédia, mas à de cinco, e tão pequenos?

E qual a punição daria conta de tamanha violência cometida pelo ex-companheiro? A vida passada numa cadeia, onde a cada dia só se piora? A morte, que descarta de modo definitivo qualquer chance de redenção além de não trazer de volta nenhuma das crianças? A degradação moral do assassino a ponto de ele mesmo não se reconhecer mais gente e a mãe ter consciência do que sofre o algoz dos seus filhos? Acho que nenhuma, acho que nem todas juntas.

Mas o sábio poeta Fernando Pessoa, sob a pena do seu heterônimo Alberto Caeiro, escreveu: " haver justiça é como haver morte". E parece que sempre será assim.
Cezar Dias

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