Pôs o dedo em riste e intimou-me:
- Escreva sobre a mudança dos tempos!
- Que mudança? Que tempos?
- Ora!... O tempo que já vivemos e como mudou para o que estamos vivendo...
- Confesso que ainda não entendi bem o que você quer...
- Muito simples: nós vivíamos de um forma, estamos vivendo de outra. Certo?
- Certo.
- Pois escreva isto. E diga se a mudança foi para melhor ou para pior...
- Se você me desse algumas dicas, a coisa ficaria mais fácil.
- Olhe aqui: que é que você está vendo?
- O forro de seu casaco está quase todo solto...
- Exato. E é novo; ainda não sofreu a primeira lavagem. E o mesmo aconteceu com dois outros que mandei fazer recentemente...
- Mas então, seu alfaiate...
- Reclamei dele, naturalmente. E sabe o que ele me respondeu? Que não era sua a culpa: as linhas de agora é que já não valem mais nada!...
- É mesmo?
- Você está vendo. Agora você se lembra como era a linha "Clark"?
- Se me lembro? Minha mãe era quem costurava as nossas roupas e usava linha "Clark" 60...
- Isso mesmo! Havia número 40, número 50, número 60... E partiam assim?
- Partiam nada! Eram linhas de verdade, que duravam toda a vida das roupas!...
- Escreva isto!
- Já tomei nota. Que mais?
- A comida...
- Que é que tem?
- Antigamente não se saía a procurá-la, a comida vinha à procura da gente...
- Era assim mesmo: quando a gente se mudava, logo estavam a bater à porta o leiteiro, o padeiro, o açougueiro, a pedir freguesia. E mandavam entregar o produto a domicílio...
- E agora, como é que é?
- Agora é guerra: a gente tem que ir buscar o de comer e às vezes tem que pedir por favor para ser despachado...
- Escreva usti!
- Já tomei nota. Que mais?
- O cozido.
- Que é que tem o cozido?
- Estou falando do que é feito com verduras. Você gosta?
- Sou louco.
- E come frequentemente?
- Quem pode? Outro dia mandei fazer um, gastei cerca de cem cruzeiros...
- E antigamente, como era?
- Ah! Lá em Santo Amaro, as "ganhadeiras" vinham com aqueles balaios enormes, sentavam-se no batente do terraço e vendiam barato enquanto ferravam na prosa com minha mãe...
- E as "quebra"?
- Era mesmo! Elas enchiam a mão de quiabo e davam de quebra...
- Escreva isto!
-Já tomei nota. Que mais?
- As frutas. Onde estão as frutas?
- Que frutas?
- Mangas (rosa, espada, carlota), laranjas, limas, araçás (vermelho, branco, mirm), sapotis, jaboticabas, mangabas, oitis, fruta-pães, carambolas...
- Você está falando de algumas que até eu já nem me lembrava que existiam...
- Escreva isto e pergunte: para onde foram as frutas? Pergunte mais: as coisas mudaram para melhor ou para pior?
- Pergunto a você: qual a sua opinião?
Ele não respondeu. Suspirou apenas.
Adroaldo Ribeiro Costa
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