Na 147° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 27 de setembro de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 KHZ AM realizamos a leitura do conto: O Hacker de Maria Lucineide Lopes. Natal- Rio Grande do Norte integra o blog: http://contosimpossveis.blogspot.com
Ele estava muito nervoso naquela manhã. Não no sentido ruim, mas no sentido de ansioso mesmo, de estar preste a dar o grande golpe. Finalmente descobrira o seu talento. Seria um hacker; e um particularmente perigoso.De cara decidiu invadir o Pentágono. E aí veio sua primeira dificuldade: ele não entendia inglês; não mesmo. Fica difícil você invadir um poderoso órgão governamental estrangeiro se não domina o idioma. Pensou em invadir o site das forças armadas brasileiras, mas a burocracia o desanimou. Teve então a idéia de invadir um banco, mas por alguma razão mal explicada não havia nenhum passo a passo disponível no Google explicando o processo. Ele ficou irritado. Afinal, sabia que tinha capacidade, faltava-lhe apenas prática. Foi aí que a idéia surgiu. Iria começar com uma coisa simples, realmente fácil. Isso não alimentava seu orgulho mas, afinal, era só o início. Decidiu hackear uma comunidade, algo que até ele, sem ofensa, conseguiria fazer. Procurou de imediato uma que possuísse muitos membros e encontrou sem dificuldade uma comunidade chamada Cantadas de Pedreiro que reunia impressionantes sessenta e um mil e trezentas e quarenta pessoas. Mas essa era uma comunidade a qual ele era particularmente afeiçoado de modo que procurou outra. Acabou escolhendo uma comunidade literária. Isso lhe deu certo prazer porque jamais gostara de ler e às vezes tinha a impressão de que seus colegas da escola o consideravam meio burro. Para o cúmulo da maldade, transformou a comunidade em um clube cujo objetivo era incentivar mulheres sem nada na cabeça e muita coisa no peito a brigar pelo privilégio de ser a gata do mês. Cometeu a atrocidade e foi para casa com a sensação do dever cumprido.Mal havia se jogado sobre a cama quando percebeu um cheiro de rosas e outras flores que ele não conseguia identificar porque cheiros agradáveis não eram habituais em seu quarto. Abriu os olhos e viu de repente ao seu lado um notebook de última geração com internet móvel; e ao lado do notebook um homem alto, bem apessoado, elegantemente vestido em um terno preto. O rapaz saltou da cama como um raio e foi logo gritando:
- Aí, federal, nunca vi esse computador na minha vida. Juro que não fui eu que roubei!O homem olhou para ele confuso e então para a própria roupa, soltando em seguida um suspiro desanimado.
- Me desculpe, é que eu estava na Europa; não ando muito pela América do sul. Isso aqui é quente como o Inferno.
Um trovão rugiu lá no alto, o que foi estranho porque o dia estava ensolarado e sem nuvens. O homem limitou-se a olhar para cima e dizer com um suspiro:- Desculpe, mestre.E com um gesto mudou seu vestuário para uma regata de malha branca e uma bermuda de linho.O hacker arregalou os olhos de susto e apontou para as roupas do homem como se não acreditasse no que estava vendo.
- É, eu sei - disse o homem mal humorado. - Eu preferia jeans, mas consideram informal para o trabalho.
- Quem é você? – balbuciou o rapaz assustado.
- Sou sua segunda chance. Senta sua bunda na frente do computador e devolve aquela comunidade que você haqueou.
- Não sei do que está falando – disse o hacker com um tremor na voz.
- Não me faça perder a paciência rapaz – o homem parecia realmente irritado. - O mestre gosta muito de literatura e sempre dá uma olhada em algumas comunidades que ele acha que vale a pena. Então qual foi a Sua surpresa quando ao entrar hoje cedo numa comunidade a qual Ele é afeiçoado, embora não participe ativamente, no lugar de boa literatura se viu olhando pra uma loura em trajes sumários. O que você estava pensando? Se Ele quisesse ver isso entrava no site da playboy!
- Isso tudo tá muito estranho – disse o hacker criando coragem.
– Eu não tô entendendo nada mermão. Quem você pensa que é, e quem é esse mestre aí. Eu não trabalho pra traficante não.
O homem deu-lhe um safanão que o fez ver estrelas, o que foi estranho, pois ele estava do outro lado da cama e não pareceu ter se movido.
- Olha o respeito moleque. O mestre a que me refiro é o filho do Homem. Eu sou Tomé, um dos apóstolos.
O garoto, ainda sem acreditar, mas querendo provar que não era de todo ignorante disse:
- Ei, eu te conheço, você é o cara que negou Jesus Cristo.O homem pareceu profundamente ofendido.
- Não, esse foi Pedro. Eu sou o que disse que só acreditava que Ele havia ressuscitado vendo. E é por isso que estou aqui. Assim que o mestre viu que a comunidade havia sido substituída pelo clube da Barbie disse “eu não acredito”, e imediatamente lembrou de mim. Então desfaz logo isso aí rapaz que a minha paciência é curta.O rapaz fez uma careta de preocupação.
- Mas eu não posso devolver assim... Como fica a minha moral?
- Você não tem nenhuma – lembrou-lhe Tomé.
- Eu não sei... Talvez se eu fizer alguma ameaça, sabe como é, pra não deixar em branco...
- Tudo bem. É justo. Afinal, até agora já ti chamaram de vagabundo, fdp, m..., c...
Um trovão soou novamente interrompendo Tomé.
- Você entendeu – disse Tomé lançando ao alto um olhar entediado.
O rapaz fez tudo rapidamente e quando terminou o apóstolo começou a recolher o computador.
- Não posso ficar com ele? – perguntou o hacker esperançoso.
- Está maluco rapaz. Acha que vou deixar um computador de última geração com um amador que nem sabe como invadir o Pentágono? Fique feliz porque fui eu que vim. Podia ter sido pior...
- Não vejo como! – exclamou o rapaz mal humorado.
- Muita gente acessava aquela comunidade – disse Tomé com um sorriso assustador no rosto. - Tem um anjo chamado Acsa que está pensando em mandar um tal Sr. Morte atrás de você.E o apóstolo riu tanto com essa perspectiva que, mesmo após se desmaterializar, sua risada ainda ecoou no quarto por alguns segundos.
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