Após ter apreciado o espetáculo AMÊSA posto em cartaz nos dias 17 e 18 de outubro de 2009 ocorrido no Centro Cultural Olívia Barradas na cidade de Valença Bahia, Direção da jovem talentosa Suelma Costa e vivido divinamente pela atriz angola Heloisa Jorge, impossível não escrever algo sobre AMÊSA sob AMÊSA soube AMÊSA.
Compreender a mensagem cênica do espetáculo AMÊSA é antes de tudo se entregar ao sentir. Evidente que a prévia de conhecimentos históricos sobre Angola contribui para o engrandecimento da concepção em entender o que a personagem AMÊSA diz, contribui para abstrair a paisagem que as palavras de AMÊSA trazem a todo instante da África mais precisamente de Angola e os laços afetivos da personagem.
A principio um canto. Uma evocação. Iniciação. A iniciação para o que há de vir. E o que há de vir é cruel. É trágico. AMÊSA se prepara para o momento tão esperado e ao mesmo tempo tão adiado. Ela não deseja fugir. Não quer. É a iniciação. A mesma que passara quando por obrigação, fora forçada a memorizar sua descendência.
Eu sou AMÊSA! É o sinal para embarcar na viagem, aliás, é a frase para abrir o cenário da memória e retornar no tempo. As distorções de voz, as contorções do corpo, a iluminação, a música, são complementos da magia deste ato ou reconhecimento do lugar, único à AMÊSA. Só ela pode adentrar. Só ela pode reconhecer. E o som do atabaque é o veículo para vislumbrar o campo, o verde, que revigora a massa, que sustenta AMÊSA que vai à mesa. Mas também não o suficiente para aplacar todas as necessidades. A menina que ao se tornar mulher não compreende por que a fragilidade em se deixar levar pela sedução todavia não lhe traz mais prazer e sim dores e temores. Este é talvez o momento mais longo (no sentido das elucubrações do personagem ) No sentido do questionamento e também este é o momento de transição. O corpo contorce-se. Sai da mesa e toca o chão. Dá os primeiros passos apesar de trêmulos, incertos, porem inevitáveis. Não há outro caminho digo não há outra opção a não ser prosseguir embora este prosseguir seja a vereda sobre o mar sem salva-vidas sem ao menos saber nadar. AMÊSA caminha, não é o tempo de buscar nada. Não é a hora! Este é o momento de descobertas. E o desencanto é doloroso, longo. Como uma metamorfose. A performance do corpo de cabeça para baixo num 3X4 sobre a mesa mostra não o ser humano mas um ser mutante. O enquadramento do rosto de AMÊSA e suas lágrimas que correm para a terra e seus braços submissos, sua boca proferindo dores... É o perfeito estado da voluntariedade. Estado da permissividade. Tal fragilidade que um sopro, apenas um sopro e põem em risco a imagem de AMÊSA. AMÊSA se desintegra, flui como o éter, voa como uma pluma. Entretanto o estado latente do público por que afinal a platéia também é parte do espetáculo. Este público não interfere para a desmaterialização do personagem ao contrário há uma comunhão no respirar, no silêncio. Todos desejam presenciar o final. Todos desejam participar da vitória tão almejada. E AMÊSA como um lagarto, lentamente desfaz o corpo em posição contrária e ergue-se. Nota-se agora em seu rosto a contração dos músculos, nota-se crueldade em seus olhos. Não a crueldade do algoz ante seus semelhantes mais a crueldade da vida que insiste em prosseguir, resistir as tempestades. Ela agora transpira mais que antes. Ela agora levanta a cabeça em direção ao sol, frente a ele. Não uma postura de oferenda. Postura de consciência! E AMÊSA ergue os braços. Levanta-os! Analisa-os! Observa lentamente cada cicatriz em seus braços agora ornada em pintura ante os reflexos do sol. O sol de sua convicção. Os pulsos, agora cerrados, energizados com o sangue que pulsa em soluções, sangue que se revitaliza. Agora o corpo de AMÊSA não é o corpo da menina nem o corpo da adolescente. É o corpo da mulher. E esta mulher cansada, transpirada, deseja apenas sentir-se parte deste universo conscientemente parte de uma ação, de uma evolução.
A atriz Heloisa Jorge, fora do espaço sagrado do palco é uma jovem comum. Mas ao ingressar no recinto legado aos deuses e deusas ela se torna um plasma, um ícone da divindade. Ela se transporta aquela paisagem. Ela é AMÊSA! Canta, dança, contorce-se, destorce-se, alonga-se, recolhe-se, mutila-se, reconstroe-se, lástima-se, purifica-se.
A diretora Suelma Costa já demonstra neste inicio de trabalho a grandiosa ceara que nos brindará em futuras estações.
Vi o espetáculo por duas vezes seguidas. Se tivesse oportunidade apreciaria quantas vezes fosse necessário para vislumbrar mais o sentir. Mas este foi o tempo suficiente para que eu abstraísse a obra e registrasse a imagem de AMÊSA no espaço secreto de minhas gavetas.
Valença, 20 de outubro de 2009 Celeste Martinez - escritora e apresentadora do ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER
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