segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Lima Barreto

Fragmento lido na 139° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER quando falamos do Brasil literário final do século XIX e início do século XX, enfocando a vida do escritor brasileiro Lima Barreto. Este fragmento foi retirado do livro: A vida de Lima Barreto de Francisco de Assis Barbosa, refletindo sobre o preconceito vivido pelo autor.

(...) Não há dúvida que Lima Barreto sofria por ser mulato e pobre. “E triste não ser branco”, segredava numa das páginas de seu Diário Íntimo. Um dia, porém, desabafou-se em confidência ao companheiro de quarto, o bom Nicolao Ciancio.

Em poucas linhas, o caso pode ser resumido. Uma noite, por falta de céu, deixou de haver exercícios práticos de astronomia. Sem ter o que fazer, um grupo de estudantes desceu ruidosamente a ladeira do Observatório, então localizado nas alturas do morro do Castelo. Eram muitos, e no meio deles Lima Barreto, Bastos Tigre e Nicolao Ciancio. Chegando à planície, o bloco caminhou em direção do Teatro Lírico.

Bastos Tigre, o chefe do bando, lembrou aos companheiros que a Companhia Italiana, chegada ao Rio havia pouco, ensaiava a Aída. E propôs que todos pulassem o mudo dos fundos do velho teatro para assistirem ao espetáculo, de “carona”. Foi o mesmo que uma ordem de comando. Nem o cão enorme que guardava o edifico conseguiu deter a arremetida juvenil. Em menos de cinco minutos, alegres e ofegantes, os rapazes estavam aboletados nas galerias do Lírico, ouvindo: Ramfis, que cantava os primeiros acordes da ópera de Verdi.


“Si: corre você che L´Etiope ardisca
Sfidarci âncora, e del Nilo la valle
E tebe minacciar”.


Todos haviam topado a estudantada. Todos, menos Lima Barreto. Este não tivera coragem de pular o muro. Depois do ensaio geral, Nicolao Ciancio teve de ira sozinho para casa – a pensão de Madame Parisot. E ali chegando, cantarolando, como bom italiano, os últimos trechos da Aída, encontrou o amigo deitado, lendo. O diálogo logo que se seguiu e vai adiante transcrito foi reconstituído pelo próprio Nicolao Ciancio. Ei-lo, sem alteração de uma só vírgula:


- Por que você não veio?

- Para não ser preso como ladrão de galinhas!

- ?!

- Sim, preto que salta muros de noite só pode ser ladrão de galinhas!

- E nós, não saltamos?

- Ah! Vocês, brancos, eram rapazes da Politécnica. Eram “acadêmicos”. Fizeram uma “estudantada”... Mas eu? Pobre de mim. Um pretinho. Era seguro logo pela polícia. Seria o único a ser preso”.

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